Introdução
O movimento Millerita, liderado por William Miller, previu o retorno de Cristo para 22 de outubro de 1844. Quando essa profecia falhou, houve grande confusão e desilusão entre seus seguidores. Desse desapontamento surgiram vários grupos, incluindo aquele que mais tarde se tornaria a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Um ensino distintivo que emergiu nesse grupo foi a doutrina da “porta fechada”, baseada numa interpretação equivocada da parábola das dez virgens em Mateus 25. Este artigo examina as origens dessa doutrina, seu desenvolvimento nos primeiros anos do adventismo, e suas implicações teológicas e práticas. Argumenta-se que a doutrina da porta fechada reflete uma compreensão errônea do caráter de Deus e do plano da salvação, e que sua promoção pelos primeiros líderes adventistas, incluindo Ellen G. White, levanta sérias questões sobre suas alegações de inspiração divina.
A Parábola das Dez Virgens e a Origem da Doutrina
Após o desapontamento de 1844, um grupo de ex-Milleritas que incluía Joseph Bates, James White e Ellen G. White desenvolveu a noção de que Cristo havia de fato vindo em 22 de outubro, não literalmente à Terra, mas movendo-se do Lugar Santo para o Lugar Santíssimo no santuário celestial. Eles basearam essa ideia na parábola das dez virgens:
“E, tardando o esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um clamor: Aí vem o esposo, saí-lhe ao encontro. Então todas aquelas virgens se levantaram, e prepararam as suas lâmpadas. E as néscias disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam, dizendo: Não seja caso que nos falte a nós e a vós; ide antes aos que o vendem, e comprai-o para vós. E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta.” (Mateus 25:5-10)
Eles interpretaram a chegada do esposo e o fechamento da porta como um evento espiritual ocorrido em 1844. De acordo com seu entendimento, Cristo havia fechado a porta da salvação para todos, exceto para os crentes adventistas que haviam se unido ao movimento Millerita. Ele estava agora “fechado” com Seu povo especial, preparando-os para receber Seu reino e testando-os em pontos específicos de doutrina, como a guarda do sábado.
O Papel de Ellen White na Promoção da Doutrina
Ellen G. White, considerada uma profetisa pelos adventistas do sétimo dia, desempenhou um papel crucial na promoção da doutrina da porta fechada através de suas visões e escritos. Várias de suas primeiras visões pareciam confirmar a noção de que a porta da salvação havia sido fechada em 1844:
“Vi que Jesus terminou Sua mediação no Lugar Santo e fechou a porta em 1844. Vi que Jesus havia fechado a porta do Lugar Santo e nenhum homem podia abri-la; e que Ele havia aberto a porta para o Lugar Santíssimo e nenhum homem podia fechá-la (Apoc. 3:7,8).”[1]
O jornal Presente Verdade, publicado por James White, divulgou a doutrina da porta fechada com base nas visões de sua esposa até o final de 1850. As revelações dela eram consideradas pela nascente igreja como confirmações divinas dessa interpretação bíblica errônea.
Problemas Teológicos da Doutrina
A doutrina da porta fechada apresenta vários problemas teológicos que entram em conflito com os ensinos bíblicos fundamentais sobre o caráter de Deus e o plano da salvação:
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- Contradiz a natureza amorosa e misericordiosa de Deus, que deseja que todos sejam salvos (1 Timóteo 2:4; 2 Pedro 3:9).
- 1 Timóteo 2:4: “o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.”
- 2 Pedro 3:9: “O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a consideram demorada; mas é longânimo para convosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se.”
- Limita arbitrariamente a graça salvadora de Deus a um pequeno grupo, contrariando a mensagem bíblica de que Cristo morreu por todos (1 João 2:2; Hebreus 2:9).
- 1 João 2:2: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo.”
- Hebreus 2:9: “Vemos, porém, aquele que por um pouco foi feito menor do que os anjos, Jesus, coroado de glória e honra por ter padecido a morte, para que pela graça de Deus provasse a morte por todos.”
- Reflete um entendimento legalista e exclusivista da salvação, em vez da justificação pela graça mediante a fé (Efésios 2:8-9; Romanos 3:28).
- Efésios 2:8-9: “Pois pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.”
- Romanos 3:28: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.”
- Ignora o ministério contínuo de Cristo como nosso sumo sacerdote e mediador (Hebreus 7:25; 1 Timóteo 2:5).
- Hebreus 7:25: “Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.”
- 1 Timóteo 2:5: “Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.”
Estes versículos sublinham conceitos importantes sobre a salvação e a natureza de Deus conforme ensinados na Bíblia, destacando a universalidade da oferta de salvação, a justificação pela fé, e o papel de Cristo como mediador. Esses erros doutrinários não apenas distorcem o evangelho bíblico, mas também produzem consequências práticas prejudiciais, como exclusivismo espiritual, elitismo e uma atitude crítica e condenatória em relação a outros cristãos.
- Contradiz a natureza amorosa e misericordiosa de Deus, que deseja que todos sejam salvos (1 Timóteo 2:4; 2 Pedro 3:9).
A Supressão e o Eventual Abandono da Doutrina
Conforme os primeiros adventistas continuavam a estudar as Escrituras e refletir sobre suas experiências, a doutrina da porta fechada começou a ser questionada e modificada. Por volta de 1851, quando a profecia de Joseph Bates sobre o retorno de Cristo em 7 anos falhou, os Whites se distanciaram de Bates e começaram a abrir a porta gradualmente, primeiro para cristãos sinceros que não haviam ouvido a mensagem Millerita em 1844, e depois para novos convertidos sem experiência prévia no adventismo.
No entanto, em vez de repudiar abertamente seu erro, os líderes adventistas optaram por suprimir discretamente os escritos que promoviam a doutrina da porta fechada. Quando as primeiras visões de Ellen White foram republicadas em 1851, as referências à porta fechada foram cuidadosamente removidas. Essa supressão permitiu que a doutrina caísse no esquecimento para a maioria dos novos membros.
O problema ressurgiu no início dos anos 1880, quando os escritos suprimidos de Ellen White foram publicados por ex-adventistas, expondo a promoção inicial da porta fechada. Isso criou uma grande controvérsia para os líderes da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que tiveram que lidar com as implicações desses ensinos errôneos vindos de sua profetisa.
Implicações para a Autoridade Profética de Ellen White
A promoção da doutrina antibíblica da porta fechada por Ellen White em seus primeiros anos levanta sérias questões sobre suas alegações de autoridade profética. Se suas visões continham erros doutrinários tão graves, como se pode confiar que elas são verdadeiramente inspiradas por Deus? O fato de que essas visões foram mais tarde suprimidas e modificadas sugere um reconhecimento de seu caráter errôneo, mas também levanta preocupações sobre a integridade e transparência dos líderes adventistas em lidar com seu passado teológico problemático.
Além disso, a maneira como a doutrina da porta fechada foi promovida e depois abandonada silenciosamente reflete um padrão perturbador na liderança de Ellen White. Em vez de admitir abertamente o erro e se retratar, ela e outros líderes adventistas optaram por encobrir discretamente o problema, permitindo que uma geração posterior de adventistas permanecesse em grande parte ignorante desse capítulo embaraçoso de sua história. Essa falta de transparência e prestação de contas mina a credibilidade de Ellen White como uma mensageira confiável de Deus.
Conclusão
A doutrina da porta fechada, conforme ensinada e promovida nos primeiros anos do movimento adventista do sétimo dia, representa um grave desvio da verdade bíblica. Sua implicação de que a salvação estava disponível apenas para um pequeno grupo de crentes adventistas após 1844 contradiz o ensino bíblico claro sobre a graça universal de Deus e o ministério contínuo de Cristo como Salvador e Mediador. O papel de Ellen White e outros líderes adventistas na promoção dessa doutrina errônea por meio de visões e escritos supostamente inspirados levanta sérias dúvidas sobre suas alegações de autoridade profética.
Essa controvérsia serve como uma advertência sobre os perigos de basear doutrinas em fontes extrabíblicas, como visões proféticas modernas, em vez de derivá-las de um estudo cuidadoso das Escrituras. Ela também ressalta a importância de reavaliar criticamente as afirmações de figuras fundadoras de movimentos religiosos à luz da Palavra infalível de Deus. Como cristãos, devemos nos apegar firmemente ao princípio da Sola Scriptura, reconhecendo a Bíblia como nossa autoridade suprema e final em todas as questões de fé e prática.
“Vocês examinam as Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna. São as Escrituras que testificam a meu respeito.” (João 5:39)
Que possamos sempre buscar sabedoria e discernimento nas páginas da Escritura Sagrada, permitindo que a verdade de Deus, e não as palavras falíveis de homens, seja “lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho” (Salmo 119:105).
Recursos Adicionais:
- 1. “The White Lie” de Walter T. Rea
- 2. “Cultic Doctrine of Seventh-day Adventists” de Dale Ratzlaff
- 3. “The Shut Door Documents” de Robert Sanders
- 4. “Changing Views of the Shut-Door” de Robert Olson
- 5. “The Truthseeker Collection” de Tim Landon
- 6. “Early S.D.A. Fanaticism” de J.N. Loughborough
Referências:
[1] Manuscrito 5, 1849, citado em “Manuscript Releases, vol. 5”, p. 201.