Os Mandamentos em Apocalipse 12:17 e 14:12: Uma Perspectiva Bíblica

Introdução:

Os livros de Apocalipse 12:17 e 14:12 mencionam “os mandamentos de Deus” como uma característica dos fiéis seguidores de Cristo nos últimos dias. Esse termo tem gerado discussões sobre quais mandamentos estão sendo referidos. Neste artigo, exploraremos essa questão a partir de uma perspectiva bíblica e de comentários de teólogos batistas, utilizando exemplos práticos para ilustrar os conceitos.

Os Mandamentos em Apocalipse:

Apocalipse 12:17 diz: “E o dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao remanescente da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo” [1]. De forma semelhante, Apocalipse 14:12 afirma: “Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus” [2].

Esses versículos destacam duas características distintivas dos verdadeiros crentes nos últimos dias: guardar os mandamentos de Deus e ter fé ou o testemunho de Jesus Cristo. Mas quais são esses mandamentos?

Os Dez Mandamentos:

Alguns intérpretes sugerem que “os mandamentos de Deus” em Apocalipse se referem especificamente aos Dez Mandamentos encontrados em Êxodo 20:1-17 [3]. Esses mandamentos, escritos pelo próprio dedo de Deus em tábuas de pedra (Êxodo 31:18) [4], formam a base da lei moral de Deus e definem Seu padrão de justiça.

O teólogo batista John Gill, em seu comentário sobre Apocalipse 12:17, observa que os mandamentos de Deus “parecem ser os mandamentos da lei moral, os dez mandamentos” [5]. Ele argumenta que esses preceitos eternos continuam a ser a norma de santidade para os crentes, não como um meio de justificação, mas como uma expressão de amor e gratidão a Deus.

Contudo, limitar “os mandamentos de Deus” apenas aos Dez Mandamentos pode ser uma interpretação muito restrita. O Novo Testamento revela que os ensinamentos e mandamentos de Jesus Cristo também são essenciais para a vida cristã.

Os Mandamentos de Cristo:

No Sermão do Monte, Jesus declara: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mateus 7:21) [6]. Essa passagem indica que obedecer aos mandamentos de Deus envolve fazer Sua vontade conforme revelada por Jesus Cristo.

Em João 14:15, Jesus diz: “Se me amais, guardai os meus mandamentos” [7]. Ele conecta o amor a Deus com a obediência a Seus próprios mandamentos. Esses mandamentos incluem amar a Deus de todo o coração, amar o próximo como a si mesmo (Mateus 22:37-40) [8], e seguir o exemplo de humildade e serviço de Cristo (João 13:34-35) [9].

O pastor batista Charles Spurgeon, em um sermão sobre Apocalipse 14:12, enfatiza a importância de obedecer a todos os preceitos de Cristo: “Devemos ser obedientes aos mandamentos de Cristo em todas as coisas… Qualquer desvio, por menor que seja, da linha reta da perfeita obediência é pecado, e o menor pecado é desobediência aos mandamentos de Deus” [10].

Aplicação Prática:

Guardar os mandamentos de Deus em Apocalipse envolve um estilo de vida de obediência fiel a Deus, seguindo os princípios eternos dos Dez Mandamentos e os ensinamentos de Jesus Cristo. Isso se manifesta em ações como:

  • Adorar somente a Deus e evitar a idolatria em todas as suas formas (Êxodo 20:3-6).
  • Honrar o nome de Deus e evitar usá-lo de maneira vã ou irreverente (Êxodo 20:7).
  • Reservar tempo para descansar em Deus e adorá-lo regularmente (Êxodo 20:8-11).
  • Mostrar respeito e honra aos pais e às autoridades (Êxodo 20:12).
  • Valorizar e proteger a vida humana, tratando os outros com dignidade (Êxodo 20:13).
  • Manter a pureza sexual e a fidelidade no casamento (Êxodo 20:14).
  • Respeitar a propriedade alheia e evitar roubos ou fraudes (Êxodo 20:15).
  • Falar a verdade e evitar mentiras ou falsos testemunhos (Êxodo 20:16).
  • Contentamento, evitando cobiçar o que pertence aos outros (Êxodo 20:17).
  • Amar sacrificialmente, colocando as necessidades dos outros acima das próprias (João 15:12-13).

Apocalipse 12:17 e 14:12 Estão Distantes do Sábado

  1. Contexto de Apocalipse: O livro de Apocalipse é uma obra altamente simbólica e profética, que usa linguagem figurativa para transmitir verdades espirituais. Interpretar Apocalipse 12:17 e 14:12 como se referindo exclusivamente à guarda do sábado é uma leitura literal e seletiva que desconsidera o estilo e o propósito mais amplo do livro.
  2. Ausência de Menção Explícita do Sábado: Nem Apocalipse 12:17 nem 14:12 mencionam especificamente o sábado. O texto fala sobre “os mandamentos de Deus” de maneira geral, sem destacar o quarto mandamento acima dos outros. Insistir que esses versículos se referem exclusivamente ao sábado é uma imposição interpretativa que vai além do que o texto realmente diz.
  3. Equilíbrio entre Fé e Obediência: Ambos os versículos de Apocalipse mencionam a fé ou o testemunho de Jesus em conjunto com a guarda dos mandamentos. Isso sugere que a verdadeira fidelidade a Deus envolve tanto a fé em Cristo quanto a obediência a Seus preceitos. Focar apenas na guarda do sábado como o marco definidor dos verdadeiros crentes é desequilibrar essa relação e negligenciar a centralidade da fé em Jesus.
  4. Ensino Consistente do Novo Testamento: A ênfase do Novo Testamento está na salvação pela graça por meio da fé em Jesus Cristo (Efésios 2:8-9), não na observância de dias específicos. Paulo adverte contra julgar os outros em questões de dias santos, incluindo o sábado (Colossenses 2:16-17). Elevar a guarda do sábado como um teste decisivo de fidelidade vai contra o ensino claro das Escrituras.
  5. Mandamentos de Cristo: Jesus enfatizou que amar a Deus e amar ao próximo são os maiores mandamentos (Mateus 22:37-40). Ele também deu a Seus discípulos um novo mandamento de amar uns aos outros como Ele os amou (João 13:34). Reduzir “os mandamentos de Deus” em Apocalipse apenas à guarda do sábado é ignorar esses mandamentos fundamentais de Cristo.
  6. Exemplo da Igreja Primitiva: O livro de Atos e as epístolas do Novo Testamento retratam a igreja primitiva se reunindo no primeiro dia da semana (domingo) para adoração, comunhão e partilha da Palavra (Atos 20:7; 1 Coríntios 16:2). Embora alguns judeus cristãos ainda observassem o sábado, isso nunca foi imposto aos gentios convertidos como um requisito para a salvação ou a verdadeira fé.
  7. Liberdade Cristã: Paulo ensinou que os crentes têm liberdade em Cristo em relação a dias santos e práticas cerimoniais (Romanos 14:5-6; Gálatas 4:9-11). Tornar a guarda do sábado um teste de fidelidade é um forma de legalismo que coloca os cristãos sob um jugo de escravidão, em vez de libertar-nos para servir a Cristo em Espírito.
  8. Suficiência da Obra de Cristo: A doutrina adventista de que a guarda do sábado é necessária para os verdadeiros crentes nos últimos dias implica que a obra de Cristo na cruz foi insuficiente para nossa salvação. Isso contradiz passagens como Hebreus 10:14, que afirma que por uma única oferta, Jesus aperfeiçoou para sempre aqueles que estão sendo santificados.
  9. Perspectiva Histórica: A visão de que Apocalipse 12:17 e 14:12 se referem especificamente à guarda do sábado é uma interpretação relativamente recente na história da igreja, promovida principalmente pelos Adventistas do Sétimo Dia. A maioria dos teólogos e commentaristas bíblicos ao longo dos séculos entenderam “os mandamentos de Deus” nesses versículos como se referindo à obediência geral aos preceitos morais de Deus, não exclusivamente ao quarto mandamento.
  10. Riscos do Exclusivismo: Afirmar que somente aqueles que guardam o sábado podem ser considerados verdadeiros crentes promove um espírito de exclusivismo e julgamento que é contrário ao amor e à unidade ensinados por Cristo (João 17:20-23). Isso cria divisões desnecessárias no corpo de Cristo e desvia o foco do evangelho da graça para uma ênfase legalista em um único aspecto da lei.

Jud Lake Foi Muito Além do Texto

Artigo Completo Aqui

Jud Lake é Professor de Pregação e Estudos Adventistas e Diretor do Instituto para o Estudo de Ellen G. White e da Herança Adventista na Southern Adventist University e defendeu que Apocalipse 12:17 é um texto muito importante para os Adventistas do Sétimo Dia, pois descreve as características do remanescente de Deus nos últimos dias: guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus Cristo. Lake argumenta que o “testemunho de Jesus” refere-se especificamente ao dom profético manifestado no ministério de Ellen G. White, e não ao testemunho geral que todo cristão deve dar sobre Jesus. Ele afirma que os Adventistas do Sétimo Dia estão em terreno bíblico sólido ao dizer que Ellen G. White cumpriu a profecia de Apocalipse 12:17 e que seus escritos são uma manifestação do “espírito de profecia”.

Refutação dos principais pontos da tese de Jud Lake:

Ponto 1:

Lake afirma que o “testemunho de Jesus” em Apocalipse 12:17 refere-se especificamente ao dom profético manifestado em Ellen G. White.

Refutação: O texto bíblico não especifica que o “testemunho de Jesus” se refira exclusivamente a um indivíduo. Em 1 Coríntios 12:4-11, Paulo deixa claro que há uma diversidade de dons espirituais, incluindo o de profecia, que são distribuídos a muitos crentes conforme o Espírito Santo determina. Limitar o “testemunho de Jesus” a uma única pessoa vai contra o princípio bíblico da distribuição dos dons espirituais a todo o corpo de Cristo.

Ponto 2:

Lake argumenta que a gramática grega permite interpretar o “testemunho de Jesus” como um testemunho “de” ou “por” Jesus, em vez de um testemunho “sobre” Jesus.

Refutação: Embora a gramática grega permita ambas as interpretações, o contexto mais amplo das Escrituras apoia a visão de que o “testemunho de Jesus” refere-se ao testemunho que os crentes dão sobre Jesus. Por exemplo, em Atos 1:8, Jesus diz aos discípulos: “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.” Isto indica que todos os crentes são chamados a testemunhar de Jesus.

Ponto 3:

Lake cita o paralelismo entre Apocalipse 19:10 e 22:8-9 para argumentar que o “testemunho de Jesus” e o “espírito de profecia” estão ligados aos profetas, não a todos os crentes.

Refutação: Embora esses versículos mencionem os profetas, eles não excluem a possibilidade de que todos os crentes possam ter o testemunho de Jesus. Em 1 Pedro 2:9, Pedro se dirige a todos os crentes quando diz: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Isto sugere que todos os crentes têm um papel no testemunho de Jesus.

Ponto 4:

Lake afirma que os Adventistas do Sétimo Dia estão em terreno bíblico sólido ao dizer que o ministério profético de Ellen G. White foi uma manifestação do “testemunho de Jesus”.

Refutação: Embora Ellen G. White possa ter exercido um ministério significativo, elevar seus escritos ao nível de “testemunho de Jesus” corre o risco de igualá-los ou até mesmo elevá-los acima das Escrituras. Em Isaías 8:20, somos instruídos: “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles.” Isto indica que as Escrituras, não os escritos de qualquer indivíduo, devem ser a base para discernir a verdade de Deus.

Ponto 5:

Lake argumenta que ter o testemunho de Jesus significa ser um bom mordomo dos escritos proféticos, obedecer à voz profética e experimentar o poder da mensagem profética.

Refutação: Embora essas possam ser práticas valiosas, elas não devem substituir a primazia das Escrituras na vida do crente. Em 2 Timóteo 3:16-17, Paulo declara: “Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra.” É a Palavra de Deus, não os escritos de qualquer profeta moderno, que deve guiar e moldar a vida do crente.

Ponto 6:

Lake sugere que a leitura dos escritos de Ellen G. White leva a um maior apreço pela Bíblia, a um relacionamento mais profundo com Jesus e à esperança e coragem para a vida cristã diária.

Refutação: Embora os escritos de Ellen G. White possam oferecer insights e encorajamento, eles não devem ser vistos como um substituto ou mesmo um complemento necessário às Escrituras. O salmista declara em Salmos 19:7-8: “A lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do Senhor é fiel, e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro, e ilumina os olhos.” É a Palavra de Deus que tem o poder inerente de transformar vidas e levar os crentes a um relacionamento mais profundo com Cristo.

Em resumo, embora Jud Lake levante alguns pontos interessantes, sua interpretação de Apocalipse 12:17 e do “testemunho de Jesus” parece ir além do que o texto bíblico realmente diz. Ao limitar o “testemunho de Jesus” aos escritos de Ellen G. White, Lake corre o risco de elevar seus escritos a um nível de autoridade que as Escrituras reservam somente para si mesmas. Como crentes, devemos nos apegar à supremacia e suficiência das Escrituras para guiar e moldar nossas vidas e nossa compreensão da verdade de Deus.

Conclusão:

Os mandamentos de Deus mencionados em Apocalipse 12:17 e 14:12 abrangem tanto os princípios eternos dos Dez Mandamentos quanto os ensinamentos e exemplo de Jesus Cristo. Guardar esses mandamentos não é um meio de ganhar a salvação, mas uma resposta de amor e gratidão a Deus por Sua graça. À medida que os cristãos se mantém firmes na fé em Jesus e obedecem a Seus preceitos, eles demonstram sua lealdade a Deus em um mundo cada vez mais hostil à verdade bíblica.

Referências:

  • [1] Apocalipse 12:17
  • [2] Apocalipse 14:12
  • [3] Êxodo 20:1-17
  • [4] Êxodo 31:18
    [5] Gill, J. (1746-1763). An Exposition of the New Testament. Matthew Carey.
  • [6] Mateus 7:21
  • [7] João 14:15
  • [8] Mateus 22:37-40
  • [9] João 13:34-35
  • [10] Spurgeon, C. H. (1890). The Obedience of Faith. In The Metropolitan Tabernacle Pulpit Sermons (Vol. 36). Passmore & Alabaster.

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