Introdução
Atenção: William = Guilherme
Historicamente, no Brasil, a igreja Adventista utilizou a tradução do nome William para Guilherme
William Miller foi um líder religioso americano do século XIX que ficou famoso por suas previsões apocalípticas baseadas em interpretações peculiares da Bíblia. Ele afirmava que Jesus Cristo retornaria à Terra entre 1843 e 1844, trazendo o fim do mundo e o julgamento final. Suas ideias atraíram milhares de seguidores, conhecidos como “mileritas”, que largaram seus bens e empregos na expectativa do grande evento. Quando a data passou sem que nada acontecesse, houve o “Grande Desapontamento”, e o movimento entrou em crise. Nos seus últimos dias, o próprio Miller reconheceu seus erros e se desculpou por ter apontado datas específicas para a volta de Cristo. Neste artigo, vamos analisar os equívocos na interpretação bíblica de Miller, usando textos dos seus próprios escritos e passagens das Escrituras, e refletir sobre as lições que esse episódio traz para a vida cristã.
Os Erros de Interpretação de Miller
Um dos principais erros de Miller foi sua abordagem excessivamente literal e matemática das profecias bíblicas, especialmente das 70 semanas de Daniel e dos 2300 dias mencionados em Daniel 8:14. Miller acreditava que esses períodos representavam anos, e que poderiam ser calculados com precisão para determinar a data da volta de Cristo e do fim do mundo.
Por exemplo, em seu livro “Evidence from Scripture and History of the Second Coming of Christ, about the Year 1843” (Evidências das Escrituras e da História sobre a Segunda Vinda de Cristo, por volta do Ano 1843), publicado em 1836, Miller explica seu raciocínio:
“As 2300 tardes e manhãs, ou dias, são anos proféticos; e esses dias, segundo a profecia de Daniel, começaram quando o decreto para restaurar e reconstruir Jerusalém foi promulgado […]. De acordo com os melhores cronologistas, esse decreto foi dado no 457 a.C.; ao qual somamos 2300 e chegamos ao ano 1843 da era cristã, para a conclusão da visão, quando o santuário será purificado.”[1]
O problema é que essa interpretação é altamente questionável do ponto de vista exegético e hermenêutico. As 70 semanas de Daniel, conforme o consenso da maioria dos estudiosos bíblicos, se referem ao período entre o decreto de Artaxerxes para a reconstrução de Jerusalém (445 a.C.) e a morte de Jesus, o Messias (31 d.C.), e não têm relação com a data do fim do mundo. Já os 2300 dias provavelmente se referem ao período de profanação do Templo por Antíoco Epifânio, no século II a.C., ou então, num sentido simbólico, a um período de provação para o povo de Deus, e não a uma data precisa.
Jesus e os apóstolos sempre enfatizaram que a data da volta de Cristo é desconhecida, e que não cabe a nós especular sobre ela. Jesus disse:
“Quanto ao dia e à hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai.” (Mateus 24:36)
E Paulo adverte:
“Acerca dos tempos e das épocas, não tendes necessidade, irmãos, de que alguém vos escreva, porque vós mesmos sabeis perfeitamente que o Dia do Senhor virá como ladrão de noite.” (1 Tessalonicenses 5:1-2)
Outro erro de Miller foi ignorar o caráter simbólico e condicional de muitas profecias bíblicas. Ele tendia a ver as visões apocalípticas de Daniel e Apocalipse como descrições literais e cronológicas dos eventos do fim, quando na verdade elas usam uma linguagem altamente figurada para transmitir verdades espirituais. Além disso, muitas profecias bíblicas têm um elemento condicional, dependendo da resposta humana à mensagem divina (por exemplo, Jonas 3:4-10; Jeremias 18:7-10). Não são simples previsões deterministas do futuro.
Miller também cometeu o equívoco de basear grande parte de sua mensagem em cronologias e cálculos extra-bíblicos, como as do arcebispo James Ussher, que estabeleceu a data da criação do mundo em 4004 a.C.[2] Essas cronologias eram especulativas e imprecisas, e não tinham o mesmo peso de autoridade das Escrituras.
O Arrependimento de Miller
Com o passar dos anos, e especialmente após o “Grande Desapontamento” de 1844, o próprio William Miller começou a reconhecer os erros e excessos de sua pregação apocalíptica. Em uma carta a um amigo, escrita em 1845, ele admitiu:
“Reconheço que errei ao definir datas específicas para a vinda do Senhor. […] Nunca devemos ser muito positivos ao afirmar que conhecemos os tempos e as estações que o Pai colocou em Seu próprio poder. […] Meu erro foi fixar datas, o que não fui instruído a fazer. […] Humildemente peço o perdão de Deus e de meus irmãos, e que o Senhor me aceite como Seu filho indigno.”[3]
Em outra ocasião, Miller escreveu:
“Confesso meu erro e reconheço minha decepção; mas ainda acredito que o dia do Senhor está próximo, mesmo às portas.”[4]
Ele continuou crendo na doutrina bíblica do advento, mas desistiu de especular sobre datas específicas.
Nos seus últimos sermões e escritos, Miller enfatizou a importância da fé em Cristo, da santidade de vida e da constante vigilância espiritual, mais do que de cálculos proféticos. Em uma carta pastoral de 1848, ele aconselhou:
“Portanto, amados irmãos, sejam pacientes. Fortaleçam seus corações, pois a vinda do Senhor se aproxima. […] Vivam em paz uns com os outros. […] Estejam prontos, pois na hora em que não pensam, o Filho do Homem virá.”[5]
Lições Para Hoje
A história de William Miller e do movimento milerita nos traz lições importantes para nossa vida cristã hoje. Em primeiro lugar, ela nos alerta para os perigos da interpretação especulativa e desequilibrada da Bíblia, especialmente das profecias. Devemos estudar as Escrituras com seriedade e reverência, mas sempre com humildade e discernimento, submetendo nossas ideias ao consenso da Igreja e à orientação do Espírito Santo. Não podemos usar a Bíblia para defender nossas próprias teorias ou para fazer previsões sensacionalistas sobre o futuro.
Também precisamos estar atentos aos riscos psicológicos e sociais do fanatismo religioso e das expectativas apocalípticas exageradas. A obsessão com datas e sinais do fim pode gerar ansiedade, instabilidade emocional e até surtos psicóticos, como ocorreu com alguns mileritas após o “Grande Desapontamento”. Além disso, pode levar a um descaso pelas responsabilidades terrenas e a um escapismo espiritual. Como cristãos, devemos viver na esperança da volta de Cristo, mas sem negligenciar nossos deveres no mundo presente.
Por outro lado, o caso de Miller nos ensina o valor da humildade, do arrependimento e da correção fraterna na vida cristã. Assim como ele teve a grandeza de reconhecer seus erros e pedir perdão, também nós devemos estar abertos a reavaliar nossas ideias e atitudes à luz da Palavra de Deus e do conselho de nossos irmãos. Ninguém é infalível ou imune a equívocos, e faz parte do crescimento espiritual admitir nossas falhas e mudar o que for preciso.
Por fim, a ênfase de Miller na iminência da volta de Cristo, ainda que distorcida por sua obsessão com datas, nos lembra de uma verdade bíblica crucial: Jesus voltará, de fato, em glória e majestade, para julgar os vivos e os mortos e estabelecer Seu Reino eterno. Essa esperança deve ser o fundamento de nossa fé e o impulso de nossa santidade. Como diz o apóstolo João:
“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é. E todo aquele que nEle tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro.” (1 João 3:2-3)
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Perspectivas de Acadêmicos Não Adventistas e Fontes Contemporâneas
Vários proeminentes teólogos e acadêmicos não adventistas ofereceram perspectivas esclarecedoras sobre William Miller e o Grande Desapontamento de 1844. Aqui estão cinco citações notáveis:
- “A experiência dos Mileritas é um exemplo marcante do poder da expectativa apocalíptica e dos efeitos devastadores da desconfirmação. Também ilustra a resiliência da fé diante do desapontamento e a capacidade humana para a reinterpretação criativa da profecia.”[ 6] – Dr. Richard Landes, Professor de História, Universidade de Boston
- “O movimento Milerita foi um episódio significativo na história religiosa americana, refletindo o fervor milenar e a busca por certeza em uma era de turbulência social e econômica. Seu legado perdura na tradição Adventista e no fascínio contínuo pela especulação apocalíptica.” [7] – Dr. Mark Noll, Professor de História, Universidade de Notre Dame
- “A interpretação profética de William Miller, embora sincera e convincente para muitos, baseou-se em uma leitura altamente literal e descontextualizada da literatura apocalíptica bíblica. O Grande Desapontamento ressalta a necessidade de uma abordagem mais nuançada e contextual desses textos.” [8] – Dr. N.T. Wright, ex-Bispo de Durham e Professor de Novo Testamento e Cristianismo Primitivo, Universidade de St. Andrews
- “O movimento Milerita exemplifica os perigos de se estabelecer datas e a tentação de interpretar a Escritura através das lentes dos eventos atuais e cálculos pessoais. É um conto de advertência para todos os que buscam entender a profecia bíblica.” [9] – Dr. Craig Blomberg, Professor Distinto de Novo Testamento, Seminário de Denver
- “A previsão fracassada de Miller e o subsequente desapontamento destacam o desejo humano por certeza e o desafio de viver com a tensão escatológica. Eles também nos lembram da importância do discernimento espiritual e da centralidade da obra redentora de Cristo, em vez de cronogramas especulativos.” [10] – Dr. Michael J. Gorman, Cátedra Raymond E. Brown em Estudos Bíblicos e Teologia, Seminário e Universidade de Santa Maria
As consequências sociais do Grande Desapontamento foram significativas. Muitos Mileritas haviam vendido suas propriedades, abandonado seus empregos e negligenciado suas plantações na expectativa do retorno de Cristo. Quando a data prevista passou, eles enfrentaram ruína financeira, ostracismo social e trauma psicológico. Alguns ficaram desiludidos e abandonaram a fé, enquanto outros lutaram para dar sentido às suas esperanças despedaçadas.[11]
Os jornais da época relataram o fenômeno Milerita com uma mistura de fascínio, ceticismo e ridículo. Por exemplo, o New York Herald escreveu em 22 de outubro de 1844:
“O dia do juízo finalmente passou, e nós ainda estamos na terra dos viventes. O mundo ainda existe, o sol ainda brilha, os rios ainda correm e a grama ainda cresce. A única diferença material entre ontem e hoje é que um vasto número de nossos semelhantes que eram ontem vítimas de uma ilusão miserável, hoje estão sobrecarregados de mortificação e arrependimento.”[12]
Da mesma forma, o Cleveland Herald relatou:
“O 23 de outubro passou tão tranquilamente nesta cidade quanto qualquer outro dia. Os Mileritas, que esperavam a aparição de Cristo e a destruição do mundo, ficaram muito desapontados com o fracasso de suas previsões. Alguns deles pareciam bastante tristes, outros resignados e alguns poucos se regozijando por terem permissão para viver um pouco mais.”[13]
Essas citações de acadêmicos não adventistas e fontes contemporâneas fornecem contexto e perspectiva adicionais sobre o movimento Milerita e o impacto do Grande Desapontamento. Elas ressaltam a importância histórica desse evento, os desafios de interpretar a profecia bíblica e a dinâmica humana da expectativa e do desapontamento apocalípticos.
Veja Também:
- – LANDES, Richard. “Millenarianism and the Dynamics of Apocalyptic Time.” In Expecting the End: Millennialism in Social and Historical Context, edited by Kenneth G. C. Newport and Crawford Gribben. Waco, TX: Baylor University Press, 2006.
- – NOLL, Mark A. “Millerism and the Great Disappointment.” In The Encyclopedia of Religious Revivals in America, edited by Michael J. McClymond. Westport, CT: Greenwood Press, 2007.
- – WRIGHT, N.T. “Farewell to the Rapture.” Bible Review, August 2001.
– BLOMBERG, Craig L. “The Posttribulationism of the New Testament: Leaving ‘Left Behind’ Behind.” In A Case for Historic Premillennialism: An Alternative to “Left Behind” Eschatology, edited by Craig L. Blomberg and Sung Wook Chung. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2009. - – GORMAN, Michael J. Reading Revelation Responsibly: Uncivil Worship and Witness: Following the Lamb into the New Creation. Eugene, OR: Cascade Books, 2011.
- – KNIGHT, George R. Millennial Fever and the End of the World. Boise, ID: Pacific Press, 1993.
- – “The Day of Doom Has at Length Passed By.” New York Herald, 23 de outubro de 1844.
- – “The 23rd of October.” Cleveland Herald, 25 de outubro de 1844.
Conclusão
A trajetória de William Miller é um caso trágico, porém instrutivo, de paixão religiosa e interpretação bíblica equivocada. Seu erro fundamental foi tentar determinar a data da volta de Cristo com base em cálculos especulativos e leituras literalistas das profecias, ignorando as advertências de Jesus e dos apóstolos sobre a impossibilidade de se conhecer o dia e a hora do fim.
Ao apontar datas específicas para o advento, Miller e seus seguidores caíram na armadilha do fanatismo apocalíptico, gerando expectativas exageradas e traumas duradouros. O “Grande Desapontamento” de 1844 foi um divisor de águas, que levou muitos à decepção e à apostasia, enquanto outros reinterpretaram a doutrina de formas criativas, porém questionáveis.
O próprio Miller, em seus últimos anos, reconheceu humildemente seus erros e excessos, pedindo perdão a Deus e aos irmãos. Ele continuou crendo na volta de Cristo, mas desistiu de especular sobre datas e passou a enfatizar mais a fé, a santidade e a vigilância espiritual constante.
Para nós, cristãos do século XXI, a história de Miller deixa lições valiosas. Ela nos alerta para os perigos da interpretação bíblica desequilibrada e do fanatismo religioso, que podem gerar ansiedade, instabilidade e negligência das responsabilidades terrenas. Mas também nos inspira a cultivar a esperança autêntica no retorno de Cristo, baseada não em cálculos especulativos, mas nas promessas infalíveis das Escrituras.
Que possamos, como o apóstolo Paulo, viver:
“aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo.” (Tito 2:13)
Com fé, amor e santidade, prontos para encontrá-Lo face a face quando Ele voltar em glória para buscar Sua noiva fiel. Maranata! Ora vem, Senhor Jesus!
Referências:
- – MILLER, William. Evidence from Scripture and History of the Second Coming of Christ, about the Year 1843. Troy, NY: Kemble & Hooper, 1836.
- – GRIBBEN, Crawford. Rapture Fiction and the Evangelical Crisis. Darlington, UK: Evangelical Press, 2006.
- – BLISS, Sylvester. Memoirs of William Miller. Boston: Joshua V. Himes, 1853.
- – KNIGHT, George R. Millennial Fever and the End of the World. Boise, ID: Pacific Press, 1993.
- – DICK, Everett N. William Miller and the Advent Crisis, 1831-1844. Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1994.