Introdução
O movimento adventista do sétimo dia enfatiza a guarda do sábado como um mandamento perpétuo e imutável, baseando-se na sua inclusão no decálogo. No entanto, uma análise cuidadosa dos ensinamentos de Jesus e das Escrituras revela que, embora o sábado faça parte dos Dez Mandamentos, ele não é a parte mais importante da lei de Deus.
Jesus e os Maiores Mandamentos
Quando questionado sobre o grande mandamento da lei, Jesus respondeu:
“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus 22:37-40).
Jesus não mencionou o sábado como o maior mandamento, mas sim o amor a Deus e ao próximo. Ele enfatizou que esses dois princípios são a base de toda a lei e dos escritos dos profetas.
O apóstolo Paulo ecoou esse ensino, afirmando:
“Porque toda a Lei se cumpre em uma só palavra, a saber: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5:14).
Ellen White, porém, atribui ao sábado uma importância desproporcional:
“O sábado do quarto mandamento é o selo do Deus vivo. Aponta para Deus como o Criador, e é sinal de Sua legítima autoridade sobre os seres que Ele criou. Os ímpios, que destroem o sinal comemorativo do Criador, colocam em seu lugar um sinal comemorativo de Roma” [1].
Essa declaração eleva o sábado acima de outros mandamentos, sugerindo que ele é o “selo do Deus vivo” e o “sinal de Sua legítima autoridade”. No entanto, as Escrituras não atribuem esse status especial ao sábado.
O Espírito da Lei e a Letra da Lei
Jesus frequentemente confrontou os fariseus por sua ênfase excessiva na observância literal da lei, em detrimento do seu espírito e intenção. Ele os repreendeu por negligenciarem os aspectos mais importantes da lei, como a justiça, a misericórdia e a fé (Mateus 23:23).
Em uma ocasião, quando os fariseus o acusaram de violar o sábado, Jesus respondeu:
“O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. Portanto, o Filho do Homem é senhor também do sábado” (Marcos 2:27-28).
Essa declaração indica que o propósito do sábado era beneficiar o homem, não ser um fardo pesado. Jesus se colocou acima da lei do sábado, afirmando sua autoridade para interpretar e aplicar a lei de acordo com seu verdadeiro espírito.
Ellen White, no entanto, enfatiza a observância estrita do sábado:
“Para santificar o sábado, não devemos mesmo permitir que nossa mente se demore sobre coisas de caráter mundano. Todavia, não é necessário que nos encerremos em celas, excluindo-nos do ar aprazível e da luz do Sol. No sábado, as famílias devem sair ao ar livre, para contemplar as lindas coisas naturais criadas por Deus” [2].
Embora essa declaração contenha alguns conselhos positivos, como apreciar a natureza, ela também sugere uma abordagem legalista do sábado, proibindo até mesmo pensamentos sobre assuntos seculares. Essa ênfase na observância externa contrasta com o ensino de Jesus sobre a importância das atitudes internas.
O Sábado e a Nova Aliança
Com o estabelecimento da nova aliança em Cristo, a relação dos crentes com a lei mudou drasticamente. O apóstolo Paulo explica que Cristo é o fim da lei para justiça de todo aquele que crê (Romanos 10:4) e que os cristãos não estão mais debaixo da lei, mas debaixo da graça (Romanos 6:14).
Isso não significa que os princípios morais da lei não sejam mais válidos, mas que nossa obediência flui de um coração transformado pelo Espírito, não de uma obrigação externa. Paulo adverte contra a tentativa de ser justificado pela lei:
“De Cristo vos desligastes, vós que procurais ser justificados por lei; da graça decaístes” (Gálatas 5:4).
Insistir na guarda do sábado como um meio de justificação é colocar-se novamente debaixo do jugo da escravidão (Gálatas 5:1) e negar a suficiência da obra de Cristo.
Ellen White, porém, afirma:
“Não é seguro afastar-nos por um fio de cabelo que seja dos mandamentos sagrados de Deus, para agradar a nós mesmos seguindo os costumes e práticas do mundo. Deus exige de todos os Seus seguidores obediência completa, obediência inteira aos todos os Seus mandamentos” [3].
Essa declaração sugere que a obediência completa à lei, incluindo a guarda do sábado, é necessária para agradar a Deus. No entanto, isso contradiz o ensino bíblico sobre a justificação pela fé e a liberdade em Cristo.
Conclusão
Embora o sábado faça parte do decálogo, ele não é a parte mais importante da lei de Deus. Jesus enfatizou que o amor a Deus e ao próximo são os maiores mandamentos, e que toda a lei e os profetas dependem desses dois princípios.
Insistir na observância estrita do sábado, em detrimento do espírito da lei e da suficiência da obra de Cristo, é cair no legalismo e negar a graça do evangelho. Como cristãos, somos chamados a viver pelo Espírito, não pela letra da lei (Romanos 7:6).
Nossa verdadeira paz e descanso são encontrados em Cristo, que nos convida a vir a Ele e encontrar descanso para nossas almas (Mateus 11:28-30). Nele, não há condenação (Romanos 8:1), mas vida e liberdade (João 8:36).
Referências
[1] Ellen G. White, “O Desejado de Todas as Nações”, p. 283.
[2] Ellen G. White, “Conselhos Sobre Saúde”, p. 358.
[3] Ellen G. White, “Mensagens Escolhidas”, vol. 1, p. 317.