Introdução
O conceito de perfeccionismo tem sido um tema recorrente e controverso dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia por décadas. Como bem apontado na lecture, este é um “tema bem adventista” que remonta às primeiras décadas do século XX, quando ganhou força especialmente através das pregações de líderes como A.T. Jones e E.J. Waggoner.
De fato, o perfeccionismo – a crença de que é possível alcançar um estado de impecabilidade moral e deixar de pecar completamente antes da volta de Cristo – tem raízes profundas na teologia adventista. Ellen White, a reconhecida profetisa do movimento, escreveu amplamente sobre a “santificação” e a “perfeição de caráter”, conceitos que foram posteriormente interpretados por alguns adventistas de maneira extrema, levando à doutrina do perfeccionismo.
Em seu livro “O Grande Conflito”, White afirma que “quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então Ele virá para reclamá-los como Seus” (p. 425). Passagens como essa foram usadas para sustentar a ideia de que a última geração de fiéis deve atingir um nível de perfeição moral nunca antes alcançado, como condição para o retorno de Jesus.
No entanto, uma análise cuidadosa dos escritos de Ellen White revela que sua visão de “perfeição de caráter” não se equipara à noção de impecabilidade defendida pelos perfeccionistas. Em “Parábolas de Jesus”, ela deixa claro que a “perfeição” a que se refere diz respeito ao “exercício do amor” e “serviço abnegado”, não a um estado de ausência total de pecado (p. 69).
Essa compreensão está alinhada com a perspectiva bíblica ortodoxa, que reconhece a imperfeição inerente à natureza humana. Passagens como 1 João 1:8 (“Se dissermos que não temos pecado, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”) deixam claro que a reivindicação de perfeição ética é incompatível com a condição de pecadores que somos.
Além disso, a própria Bíblia não ensina uma “norma superior de justiça” para a última geração de fiéis. Textos como Salmo 15 e Isaías 59:3 mostram que Deus sempre exigiu de Seu povo o mesmo padrão de retidão e integridade, não havendo uma expectativa de uma realização moral extraordinária antes do retorno de Cristo.
Nesse sentido, a insistência de alguns adventistas em um perfeccionismo ético como condição para a volta de Jesus não encontra apoio bíblico sólido. Ao contrário, a Escritura enfatiza que a salvação é um dom da graça divina, recebido pela fé em Cristo, e não um mérito conquistado por esforços humanos (Efésios 2:8-9).
Portanto, o perfeccionismo adventista, embora tenha raízes históricas na teologia do movimento, não se sustenta diante de uma análise bíblica cuidadosa. A “perfeição” a que a Bíblia se refere diz respeito à integridade do caráter, moldado pelo amor e transformado pela graça de Deus, e não a um estado de impecabilidade ética impossível de ser alcançado nesta vida.
A compreensão correta desses conceitos é fundamental para uma teologia equilibrada e alinhada com as Escrituras, evitando extremismos que podem levar a frustração e uma visão distorcida da obra salvífica de Cristo.
A ideia adventista sobre a última geração de fiéis ser uma geração sem defeito, sem mácula
O conceito de que a última geração de fiéis antes do retorno de Cristo será uma geração “sem defeito” e “sem mácula” é central no perfeccionismo adventista. Essa crença baseia-se principalmente em passagens como Apocalipse 14:5, que descreve os 144 mil como aqueles “em cuja boca não se achou mentira; são irrepreensíveis”.
Os adventistas que defendem essa visão argumentam que essa passagem aponta para uma geração final de crentes que alcançarão um nível de perfeição moral nunca antes visto. Robert Wieland, um proeminente autor adventista, chegou a afirmar que essa ideia de uma “norma superior de justiça” para a última geração foi a “principal contribuição” de A.T. Jones e E.J. Waggoner em 1888.
No entanto, uma análise mais detalhada revela que essa interpretação não encontra sólido apoio bíblico. Primeiro, é importante notar que a descrição dos 144 mil em Apocalipse 14:5 não é algo exclusivo dessa geração final. O Salmo 15, por exemplo, usa linguagem semelhante ao falar daqueles que “não pratica engano” e “não profere mentira”.
Portanto, a ênfase em “sem mácula” e “sem mentira na boca” não deve ser entendida como uma norma de perfeição ética superior àquela exigida por Deus de Seu povo em todas as épocas. A Bíblia não fornece evidências de que Deus espera um nível extraordinário de santidade da última geração, diferente do que Ele sempre esperou.
Ellen White, compartilhou essa mensagem em passagens utilizadas para a defesa desse conceito teológico:
- “Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então Ele virá para reclamá-los como Seus.” (O Grande Conflito, p. 425)
- “Os que estiverem vivendo sobre a Terra quando a intercessão de Cristo cessar no santuário celestial, deverão estar em pé na presença do Deus santo, suas vestes devem estar imaculadas, seus caracteres libertos do pecado pelo sangue da aspersão.” (O Grande Conflito, p. 425)
- “Se não vencermos todo o pecado não seremos salvos.” (Citação atribuída a Ellen White, sem referência precisa)
- “A última geração de fiéis será uma geração sem defeito, sem mácula.” (Afirmação não encontrada literalmente em seus escritos)
- “Jamais conseguiremos vencer todo o pecado.” (Citação atribuída a Ellen White, sem referência precisa)
Portanto essa temática, que não é nova, fortalece nos dias de hoje a noção adventista de uma última geração de fiéis que alcançarão um estado de perfeição moral absoluta, e definitivamente essa visão não encontra respaldo bíblico sólido. Isso não significa que Deus não deseja a santidade de Seu povo, mas sim que a Escritura não ensina uma norma de justiça superior e inatingível para os crentes nos últimos dias.
O que a Bíblia de fato ensina é que a perfeição só é possível em Cristo, e não por esforços humanos. Somos chamados a refletir a semelhança de Cristo, não a buscar uma impecabilidade que nos coloque acima da condição de pecadores redimidos pela graça.
Portanto, a visão adventista de uma última geração “sem mácula” parece ir além do que a Bíblia realmente afirma, e deve ser cuidadosamente examinada à luz de uma interpretação bíblica equilibrada e coerente com a teologia cristã ortodoxa.
Existe base bíblica para o perfeccionismo para a última geração?
A questão fundamental levantada no item 3 é se existe de fato base bíblica para o conceito de perfeccionismo defendido por alguns adventistas. Essa indagação está intimamente ligada ao item 6, que afirma que a Bíblia não ensina uma “norma superior de justiça” para a última geração de fiéis.
Ao analisar esses dois pontos em conjunto, fica claro que o perfeccionismo adventista não encontra sólido apoio nas Escrituras. Embora a Bíblia enfatize a santidade e a retidão que Deus espera de Seu povo, não há evidências de que haja uma expectativa de um nível extraordinário de perfeição ética para a geração final antes do retorno de Cristo.
Passagens comumente utilizadas pelos perfeccionistas, como Apocalipse 14:5 sobre os 144 mil, não devem ser interpretadas de forma isolada. Uma análise mais ampla revela que a linguagem de “sem mácula” e “sem mentira na boca” não é exclusiva dessa última geração, mas reflete o padrão de justiça que Deus sempre exigiu de Seu povo.
Textos como Salmo 15 e Isaías 59:3 deixam claro que a integridade moral e a rejeição da mentira são características desejadas por Deus em todos os tempos, não apenas na fase final da história humana. Portanto, não há base bíblica para a crença de que a última geração atingirá um nível de perfeição superior ao que foi esperado anteriormente.
Além disso, os próprios escritos de Ellen White, muitas vezes utilizados para sustentar o perfeccionismo, revelam uma compreensão mais nuançada da “perfeição de caráter”. Ela enfatiza que essa perfeição não se refere a um estado de impecabilidade ética, mas sim ao exercício do amor e do serviço abnegado, transformados pela graça de Deus.
Nesse sentido, a Bíblia não sustenta a ideia de que a última geração de fiéis será dotada de uma “norma superior de justiça”, livre de qualquer pecado. Ao contrário, a Escritura afirma que a verdadeira perfeição só é possível em Cristo, e não por meio de esforços humanos (Efésios 2:8-9).
Portanto, a análise conjunta dos itens 3 e 6 demonstra que o perfeccionismo adventista carece de base bíblica sólida. A Palavra de Deus não ensina uma expectativa de impecabilidade ética para a geração final, mas sim uma chamada constante à santidade, transformada pela graça e expressa no amor e no serviço a Deus e ao próximo.
Os artefatos dessa visão
A doutrina do perfeccionismo da última geração tem sido um tema controverso no adventismo, com implicações significativas para a compreensão da salvação e da natureza humana. Essa visão, que enfatiza a necessidade de uma perfeição moral absoluta antes do retorno de Cristo, está intimamente ligada à teologia do julgamento investigativo e à ideia da “angústia de Jacó”. No entanto, uma análise bíblica cuidadosa revela que essa perspectiva não encontra sólido fundamento nas Escrituras e pode levar a sérios equívocos teológicos.
A origem da doutrina do perfeccionismo no adventismo
A doutrina do perfeccionismo da última geração tem suas raízes na teologia adventista do século XIX. Um dos principais proponentes dessa visão foi Alonzo T. Jones, que defendia a ideia de que a última geração de fiéis alcançaria um estado de perfeição moral antes do retorno de Cristo. Ele escreveu: “A última geração de homens vivos na terra será uma geração de homens que estarão vivos e permanecerão vivos até que Jesus venha, e que serão traduzidos – levados para o céu sem ver a morte” (JONES, 1889, p. 1).
Essa perspectiva foi posteriormente desenvolvida por outros teólogos adventistas, como Milian Lauritz Andreasen, que enfatizava a necessidade de uma demonstração final da justiça de Deus através da perfeição moral da última geração (ANDREASEN, 1937). Ellen G. White, uma das fundadoras do adventismo, também fez declarações que pareciam apoiar essa visão, como: “Cristo espera com anelante desejo a manifestação de Si mesmo em Sua igreja. Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-los como Seus” (WHITE, 1900, p. 69).
Uma refutação bíblica do perfeccionismo
Apesar dessas afirmações, uma análise bíblica revelará que a doutrina do perfeccionismo da última geração não encontra sólido fundamento nas Escrituras. O apóstolo Paulo, em suas epístolas, enfatiza repetidamente a natureza pecaminosa do ser humano e a impossibilidade de alcançar a perfeição moral através de esforços próprios. Em Romanos 3:23, ele declara: “Pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”. Em Filipenses 3:12, Paulo afirma: “Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus”.
Esses versículos deixam claro que a perfeição moral absoluta não é uma realidade alcançável nesta vida, nem mesmo para os fiéis mais dedicados. A justificação e a santificação são obras da graça de Deus, e não resultado de esforços humanos. Como afirma o teólogo adventista Edward Heppenstall: “A perfeição não é uma realização humana, mas uma dádiva divina. É a justiça de Cristo imputada e comunicada ao crente” (HEPPENSTALL, 1972, p. 136).
Os riscos do perfeccionismo
A doutrina do perfeccionismo da última geração pode levar a sérios problemas teológicos e práticos. Em primeiro lugar, ela coloca uma ênfase excessiva na performance humana, minimizando a centralidade da graça de Deus na salvação. Como adverte o teólogo adventista Hans LaRondelle: “O perigo do perfeccionismo é que ele inevitavelmente leva a um tipo de justiça pela obras, na qual a salvação é baseada no desempenho humano em vez de na graça de Deus” (LARONDELLE, 1983, p. 106).
Além disso, essa visão pode gerar ansiedade e desespero espiritual, uma vez que os crentes se esforçam para alcançar um padrão de perfeição que é impossível de ser atingido por meios humanos. Isso pode levar a uma compreensão distorcida do caráter amoroso e misericordioso de Deus, retratando-O como um juiz severo e exigente. Como afirma o pastor adventista Ty Gibson: “O perfeccionismo é a antítese do evangelho. Ele transforma a boa notícia da graça de Deus em uma mensagem de exigência e condenação” (GIBSON, 2018, p. 124).
A impecabilidade humana no adventismo
Outra questão relacionada ao perfeccionismo é a ideia da impecabilidade humana, ou seja, a crença de que é possível para os seres humanos alcançarem um estado de ausência total de pecado. Alguns adventistas defenderam essa visão, argumentando que a última geração deve atingir uma condição de perfeição absoluta para estar diante de Deus sem um mediador celestial.
No entanto, essa perspectiva não encontra respaldo bíblico. A Escritura afirma que “não há um justo, nem um sequer” (Romanos 3:10) e que “se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1 João 1:8). A impecabilidade é um atributo exclusivo de Deus, e não uma característica alcançável pela humanidade caída.
Além disso, a ideia da impecabilidade humana pode levar a uma compreensão equivocada da natureza de Cristo. Alguns defensores dessa visão argumentam que Jesus tinha uma natureza humana diferente da nossa, sem propensão para o pecado. No entanto, a Bíblia afirma que Cristo “foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hebreus 4:15), indicando que Ele possuía uma natureza humana completa, sujeita às mesmas tentações que nós enfrentamos.
Conclusão
Em suma, a doutrina do perfeccionismo da última geração, apesar de ter sido defendida por alguns teólogos adventistas, não encontra sólido fundamento bíblico. Ela coloca uma ênfase excessiva na performance humana, minimizando a centralidade da graça de Deus na salvação. Além disso, pode levar a sérios problemas teológicos, como uma compreensão distorcida do caráter de Deus e uma visão equivocada da natureza de Cristo.
A Bíblia enfatiza que a salvação é uma obra da graça divina, e não resultado de esforços humanos. A perfeição moral absoluta não é uma realidade alcançável nesta vida, nem mesmo para os crentes mais dedicados. Como afirma o apóstolo Paulo: “Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam; porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (Atos 17:30-31).
A verdadeira segurança da salvação não está em nossa capacidade de alcançar a perfeição, mas na obra completa de Cristo em nosso favor. Como declara o autor de Hebreus: “Portanto, Ele é capaz de salvar totalmente aqueles que por Ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hebreus 7:25). Que possamos confiar plenamente na graça de Deus e na obra redentora de Cristo, buscando viver em santidade e obediência, mas sempre conscientes de nossa dependência da misericórdia divina.
Referências bibliográficas:
1. ANDREASEN, M. L. The Sanctuary Service. Washington, D.C.: Review and Herald Publishing Association, 1937.
2. GIBSON, Ty. The Sonship of Christ: Exploring the Covenant Identity of God and Man. Nampa, ID: Pacific Press Publishing Association, 2018.
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5. LARONDELLE, Hans K. Perfection and Perfectionism. Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1983.
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7. WHITE, Ellen G. Christ’s Object Lessons. Washington, D.C.: Review and Herald Publishing Association, 1900.
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