Introdução
O relatório de 2023 sobre o Censo da Religião Americana, elaborado pelo Public Religion Research Institute (PRRI), revela dados fascinantes sobre o estado atual das afiliações religiosas nos Estados Unidos. Esta pesquisa fornece uma visão abrangente das tendências de fé e práticas espirituais, destacando o impacto das mudanças demográficas, culturais e sociais no cenário religioso americano. Neste artigo, exploraremos os principais resultados do relatório, enfatizando as tendências emergentes, o declínio das afiliações tradicionais e o aumento da diversidade religiosa.
1. O Declínio das Afiliações Religiosas Tradicionais
Uma das descobertas mais notáveis do relatório é o declínio contínuo das afiliações religiosas tradicionais nos Estados Unidos. A porcentagem de americanos que se identificam como cristãos caiu drasticamente nas últimas décadas. Em 2023, apenas 63% dos americanos se identificam como cristãos, em comparação com 75% em 2011. Esse declínio é mais evidente entre as gerações mais jovens, como a Geração Z e os Millennials, que estão menos inclinados a se identificarem com denominações religiosas organizadas.
A queda mais acentuada é observada entre os protestantes brancos, que tradicionalmente foram a maior afiliação religiosa nos EUA. O número de protestantes brancos agora representa apenas 14% da população, um declínio significativo em comparação com décadas anteriores. Este dado reflete uma mudança mais ampla na sociedade americana, à medida que o país se torna mais secularizado e multicultural.
2. O Crescimento dos “Sem Religião” (Nones)
Um fenômeno importante identificado no relatório é o crescimento dos “Nones” – aqueles que não se identificam com nenhuma religião organizada. Este grupo agora representa 27% da população americana, um aumento de 10% em comparação com 2006. Os “Nones” incluem ateus, agnósticos e aqueles que simplesmente não se identificam com nenhuma tradição religiosa específica.
A ascensão dos “Nones” está associada à rejeição da religião organizada e à busca por espiritualidade de forma individualizada. Muitos dos que se identificam como “Nones” ainda expressam crenças espirituais, mas não desejam ser associados a instituições religiosas formais. Essa tendência reflete uma mudança cultural em direção a uma espiritualidade mais personalizada e menos institucional.
3. A Diversidade Religiosa nos Estados Unidos
Embora o cristianismo continue sendo a maior religião no país, a diversidade religiosa está em ascensão. Grupos religiosos menores, como muçulmanos, hindus, budistas e judeus, estão crescendo à medida que os EUA se tornam um país mais diverso. O relatório revela que os muçulmanos agora representam cerca de 1% da população, enquanto os hindus e budistas representam uma pequena, mas crescente, parcela.
Além disso, a imigração tem desempenhado um papel fundamental na diversificação religiosa do país. Muitos imigrantes trazem consigo suas tradições religiosas, contribuindo para o mosaico de crenças que compõem a sociedade americana moderna. As comunidades de fé imigrantes, em particular, têm desempenhado um papel vital na preservação e transmissão de suas tradições, ao mesmo tempo em que se adaptam à cultura americana.
4. A Religião e a Política Americana
A interação entre religião e política também é um tema importante no relatório. As afiliações religiosas continuam a influenciar profundamente as atitudes políticas dos americanos. Por exemplo, os protestantes evangélicos brancos são um dos grupos religiosos mais politicamente conservadores, enquanto os católicos e protestantes negros tendem a ser mais liberais.
Essa polarização religiosa e política é especialmente visível em questões como imigração, direitos LGBTQ+ e justiça social. O relatório mostra que muitos americanos com forte afiliação religiosa veem as questões políticas através de uma lente moral, moldada por suas crenças religiosas. No entanto, com o declínio das afiliações religiosas tradicionais, a paisagem política americana também está mudando, com um aumento na secularização e nas visões políticas que não estão necessariamente enraizadas em doutrinas religiosas.
5. Religião e Identidade Racial
A identidade racial continua a ter um papel significativo nas afiliações religiosas nos EUA. O relatório destaca que diferentes grupos raciais tendem a se alinhar com tradições religiosas específicas. Por exemplo, a maioria dos protestantes evangélicos brancos são, evidentemente, brancos, enquanto os católicos latinos compõem uma grande parcela da comunidade católica americana.
Além disso, as igrejas afro-americanas continuam a ser um centro vital de vida espiritual e ativismo comunitário. A tradição do protestantismo negro, com suas raízes no movimento pelos direitos civis, mantém uma forte influência em questões de justiça racial e igualdade social. Isso ressalta a importância contínua das igrejas afro-americanas como locais de resistência e apoio comunitário em meio às injustiças sociais.
6. As Gerações Mais Jovens e a Religião
Uma das tendências mais marcantes identificadas no relatório é a desconexão entre as gerações mais jovens e a religião organizada. A Geração Z, que inclui aqueles nascidos após 1996, é a geração mais secular da história dos Estados Unidos. Apenas 30% da Geração Z se identifica como cristã, uma queda significativa em comparação com gerações anteriores.
Este distanciamento das gerações mais jovens da religião organizada é impulsionado por vários fatores, incluindo o aumento da secularização, o acesso à educação superior e a exposição a diversas culturas e crenças. Muitos jovens também expressam desilusão com as instituições religiosas devido a escândalos, divisões políticas e percepções de intolerância. No entanto, muitos ainda expressam interesse por questões espirituais e filosóficas, buscando novas maneiras de explorar sua fé e moralidade fora das instituições tradicionais.
7. A Espiritualidade Fora da Religião Organizada
O relatório também mostra que muitos americanos estão se afastando da religião organizada, mas continuam a buscar formas de espiritualidade. Isso inclui práticas como meditação, yoga, astrologia e outras formas de espiritualidade que não estão necessariamente vinculadas a uma tradição religiosa específica.
Este movimento reflete uma tendência mais ampla em direção ao “espiritual, mas não religioso”. Esses indivíduos frequentemente rejeitam os dogmas religiosos tradicionais, mas continuam a buscar significado e propósito em suas vidas por meio de práticas espirituais alternativas. Isso está em linha com a cultura contemporânea que valoriza a individualidade e a autonomia pessoal, mesmo no domínio espiritual.
8. Implicações Futuras para o Panorama Religioso Americano
As descobertas do relatório de 2023 têm implicações profundas para o futuro do cenário religioso nos Estados Unidos. Com o declínio das afiliações tradicionais e o crescimento dos “Nones” e de grupos religiosos minoritários, o país está se movendo em direção a uma sociedade mais pluralista e menos religiosamente homogênea.
Essa transição pode ter um impacto significativo em várias áreas da vida pública americana, incluindo a política, a educação e a cultura. A medida que as instituições religiosas tradicionais perdem influência, novas formas de espiritualidade e comunidade podem emergir. Além disso, a diversidade religiosa crescente pode levar a uma maior compreensão e cooperação entre diferentes grupos de fé, ao mesmo tempo em que desafia a coexistência pacífica em uma sociedade cada vez mais polarizada.
9. A Crise de Pertencimento Religioso
Outra consequência do cenário religioso em transformação é a crise de pertencimento que muitas pessoas sentem. À medida que as afiliações tradicionais diminuem, há um crescente sentimento de isolamento e falta de conexão, especialmente entre aqueles que se identificam como “Nones”. Esta crise de pertencimento é exacerbada pela natureza cada vez mais fragmentada da vida moderna, onde muitas pessoas têm menos conexões comunitárias e sociais do que nas gerações anteriores.
No entanto, essa crise também está levando à criação de novas formas de comunidade espiritual e social. Grupos online, meditação comunitária e movimentos de justiça social estão surgindo como novas formas de criar pertencimento e conexão, muitas vezes fora das estruturas religiosas formais.
10. A Ausência do Adventismo do Sétimo Dia nas Estatísticas Religiosas
Um ponto interessante a se observar no Censo da Religião Americana de 2023 é a ausência do Adventismo do Sétimo Dia entre os grupos religiosos destacados, algo que tem gerado debates dentro da própria igreja adventista. Essa omissão pode estar relacionada a uma série de fatores internos que a denominação tem enfrentado nos últimos anos. Conforme apontado pelo Dr. David Trimm, diretor do centro de estatísticas da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, há uma crise interna na forma como os dados são reportados pelos líderes das conferências ao redor do mundo. Durante um discurso, Trimm enfatizou que muitos pastores e líderes têm inflado os números de membros, o que resulta em uma distorção das estatísticas da denominação, ocultando a verdadeira taxa de adesão e retenção da igreja.
Dr. Trimm, em suas apresentações anuais, tem reiterado que um dos grandes desafios missionários da igreja é o número crescente de membros ausentes ou inativos. Esses membros são contados como parte do total de membros, mas, na realidade, não participam ativamente das congregações. Isso leva a uma disparidade entre o número reportado e o número real de pessoas envolvidas nas atividades da igreja. O problema é agravado pela relutância de muitos líderes locais em reportar perdas, preferindo ignorar membros ausentes para evitar críticas ou avaliação negativa de suas administrações.
Adicionalmente, uma das vozes mais influentes no adventismo contemporâneo, Ty Gibson, trouxe à tona um dado ainda mais alarmante em uma recente exposição pública. Segundo Gibson, embora a denominação frequentemente reporte ter cerca de 22 milhões de membros globalmente, apenas cerca de 6 milhões são efetivamente participantes ativos das igrejas ao redor do mundo. Isso significa que aproximadamente 16 milhões de pessoas estão ausentes das congregações, seja por terem deixado a igreja ou por se tornarem inativos, resultando em uma crise de engajamento sem precedentes na história adventista.
Ty Gibson afirma: “Temos uma crise em mãos… dizemos que temos 22 milhões de membros, mas, na realidade, temos apenas cerca de 6 milhões de pessoas que realmente participam.” Ele também destaca que, em muitas congregações, a quantidade de membros oficialmente registrada é drasticamente maior do que o número de participantes regulares, com algumas igrejas chegando a ter menos de um quarto de seus membros efetivamente frequentando os cultos. Esse cenário reflete a gravidade do problema enfrentado pela denominação e ajuda a explicar por que os adventistas não foram incluídos no relatório mais recente sobre as principais afiliações religiosas dos EUA.
Além disso, a igreja tem experimentado um nível preocupante de perdas de membros, conforme evidenciado nos dados apresentados pelo Dr. Trimm. Desde 1965, mais de 16 milhões de membros deixaram a denominação, uma taxa de perda de mais de 40%. Este número alarmante se soma ao declínio no sucesso evangelístico da igreja, que tem visto uma diminuição nas taxas de adesão em várias partes do mundo. A estagnação no crescimento das congregações adventistas, combinada com a alta taxa de inatividade dos membros, sugere que a denominação está enfrentando desafios estruturais profundos que a impedem de manter o ritmo de crescimento necessário para figurar entre os grupos religiosos mais relevantes.
A comparação com as Testemunhas de Jeová, que ocupam uma posição de destaque no relatório, é inevitável. Enquanto os adventistas lutam com problemas de relatórios inflados e membros ausentes, as Testemunhas de Jeová têm mantido um sistema de contagem de membros mais rigoroso e transparente. Essa diferença de abordagem na contagem de adesões pode explicar por que as Testemunhas de Jeová foram incluídas no relatório, enquanto os adventistas foram deixados de fora.
Em resumo, a ausência dos adventistas do Sétimo Dia no Censo da Religião Americana de 2023 é um reflexo de problemas internos graves relacionados à gestão de dados e à retenção de membros. A crise apontada por líderes como Dr. Trimm e Ty Gibson sugere que a denominação precisa repensar suas estratégias de crescimento e retenção, além de abordar com mais seriedade a transparência nos relatórios estatísticos, para restaurar sua relevância no cenário religioso americano.
Conclusão
O relatório de 2023 sobre o Censo da Religião Americana destaca mudanças significativas nas afiliações e práticas religiosas nos Estados Unidos. O declínio das tradições religiosas organizadas, o crescimento dos “Nones” e a diversificação do cenário religioso estão moldando uma nova era espiritual no país. Essas mudanças refletem transformações mais amplas na cultura americana e têm implicações de longo alcance para a política, a identidade racial e as futuras gerações.
As gerações mais jovens estão na vanguarda dessa mudança, à medida que se distanciam das instituições religiosas tradicionais e buscam novas formas de espiritualidade. O futuro da religião na América será definido por uma combinação de secularismo crescente, diversidade religiosa e espiritualidade personalizada, marcando uma nova fase no panorama religioso do país.
Veja o Relatório Completo: https://www.prri.org/research/census-2023-american-religion/