Introdução
O movimento adventista do sétimo dia, fundado por Ellen G. White e seus associados no século XIX, afirma que a guarda do sábado é uma ordenança perpétua e universal, aplicável a toda a humanidade desde a criação. No entanto, uma análise cuidadosa das Escrituras revela que antes do pacto do Sinai, Deus não exigiu de ninguém a observância do sábado.
A Lei no Éden
No relato da criação e do jardim do Éden, encontramos apenas uma lei específica dada por Deus a Adão e Eva:
“E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:16-17).
Essa única proibição não faz menção à guarda do sábado. Embora Deus tenha descansado no sétimo dia e o abençoado (Gênesis 2:2-3), não há registro de que Ele tenha ordenado a Adão e Eva que fizessem o mesmo.
Ellen White, no entanto, afirma em seus escritos que a lei do sábado foi dada no Éden:
“A lei de Deus existia antes da criação do homem, ou de outra forma Adão não poderia ter pecado. Após a transgressão de Adão, os princípios da lei não foram mudados, mas foram definidamente arranjados e expressos para atender ao homem em sua condição caída” [1].
Essa declaração contradiz o registro bíblico, que não menciona a lei do sábado sendo dada a Adão. A afirmação de que os princípios da lei foram “definidamente arranjados e expressos” após a queda sugere que a lei, incluindo o sábado, já existia antes, mas isso não é suportado pela narrativa de Gênesis.
Os Patriarcas e o Sábado
Ao examinar a vida dos patriarcas, como Noé, Abraão, Isaque e Jacó, não encontramos nenhuma indicação de que eles tenham sido instruídos a guardar o sábado. Deus fez alianças com esses homens, prometendo abençoá-los e fazer deles uma grande nação (Gênesis 9:9; 12:1-3; 26:3-4; 28:13-15), mas em nenhum momento a observância do sábado é mencionada como parte dessas alianças.
O silêncio das Escrituras sobre a guarda do sábado pelos patriarcas é significativo. Se a lei do sábado fosse uma ordenança universal e eterna, seria de se esperar que Deus a tivesse revelado e enfatizado aos pais da fé. No entanto, não há um único exemplo de Noé, Abraão, Isaque ou Jacó guardando o sábado ou sendo instruídos a fazê-lo.
Ellen White, porém, declara o contrário:
“A origem do sábado confunde-se com a da própria criação. Foi instituído para os seres inteligentes que então existiam, muito antes da queda do homem. […] Esse fato é enfaticamente declarado. Contudo, a fim de que os homens não se esquecessem da verdadeira razão do sábado, o Senhor Jeová declarou em termos inequívocos a santidade do sábado” [2].
Essa afirmação é problemática por várias razões. Primeiro, ela pressupõe a existência de “seres inteligentes” antes da criação do homem, o que não é mencionado na Bíblia. Segundo, afirma que o sábado foi instituído para esses seres, sem qualquer base bíblica. Terceiro, alega que Deus declarou a santidade do sábado em “termos inequívocos”, mas não há registro de tal declaração nas Escrituras antes do Sinai.
O Êxodo e o Sábado
A primeira menção clara da guarda do sábado na Bíblia ocorre em Êxodo 16, quando Deus fornece o maná aos israelitas no deserto. Nessa ocasião, Deus instrui o povo a colher uma porção dupla no sexto dia, para que possam descansar no sétimo (Êxodo 16:23-30).
É significativo que a introdução da observância do sábado esteja associada ao evento do êxodo e à provisão do maná. Isso sugere que o sábado foi dado como parte da aliança entre Deus e Israel, e não como uma lei universal pré-existente.
Moisés, ao relembrar os mandamentos de Deus ao povo antes de entrarem na terra prometida, conecta explicitamente o sábado à libertação da escravidão no Egito:
“Lembra-te de que foste servo na terra do Egito, e de que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão forte e braço estendido; por isso o Senhor teu Deus te ordenou que guardasses o dia de sábado” (Deuteronômio 5:15).
Se o sábado fosse uma lei eterna e universal desde a criação, seria estranho Moisés associá-lo especificamente à libertação do Egito, um evento particular da história de Israel.
Ellen White, no entanto, insiste que o sábado era observado antes do Sinai:
“Nos milagres semanais do maná, prestou Deus uma prova decisiva de que havia entregue Seu sábado a Israel, antes de proclamar Sua lei do Monte Sinai” [3].
Essa afirmação é enganosa, pois sugere que o sábado já havia sido “entregue” a Israel antes do Sinai, quando na verdade o episódio do maná marca a primeira vez que a guarda do sábado é mencionada nas Escrituras. A provisão do maná não é uma “prova decisiva” de uma lei sabática pré-existente, mas sim uma introdução dessa prática como parte da relação especial entre Deus e Israel.
O Sábado e a Aliança do Sinai
É somente no contexto da aliança do Sinai que encontramos a ordenança do sábado sendo dada explicitamente como um dos Dez Mandamentos (Êxodo 20:8-11). Deus estabelece Seu pacto com Israel, declarando:
“Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha” (Êxodo 19:5).
O sábado é então apresentado como um sinal dessa aliança específica entre Deus e Israel:
“Certamente guardareis meus sábados, porquanto isso é um sinal entre mim e vós nas vossas gerações, para que saibais que eu sou o Senhor, que vos santifica” (Êxodo 31:13).
A linguagem utilizada nesses textos deixa claro que o sábado foi dado como parte da aliança do Sinai, e não como uma lei universal pré-existente. É um sinal entre Deus e Israel, para lembrá-los de seu relacionamento especial e da santificação que Deus opera neles.
Ellen White, porém, afirma o contrário:
“O sábado não era para Israel meramente, mas para o mundo. Fora tornado conhecido ao homem no Éden, e, como os outros preceitos do decálogo, é de imutável obrigação” [4].
Essa declaração contradiz o testemunho bíblico de várias maneiras. Primeiro, não há evidência de que o sábado tenha sido “tornado conhecido ao homem no Éden”. Segundo, o sábado é explicitamente apresentado como um sinal entre Deus e Israel, não para o mundo todo. Terceiro, embora os princípios morais subjacentes aos Dez Mandamentos sejam universais, sua aplicação específica (incluindo o sábado) fazia parte da aliança particular com Israel.
A Nova Aliança e o Sábado
Com a vinda de Cristo e o estabelecimento da nova aliança, a relação entre a lei e o crente muda drasticamente. O apóstolo Paulo explica que a lei foi dada como um “tutor” para nos conduzir a Cristo, para que fôssemos justificados pela fé (Gálatas 3:24). Agora que a fé veio, não estamos mais sob esse tutor (Gálatas 3:25).
Isso não significa que os princípios morais da lei não sejam mais válidos, mas sim que nossa relação com eles é diferente. Não os guardamos para sermos justificados, mas porque fomos justificados pela fé em Cristo. Nossa obediência flui de um coração transformado pelo Espírito, não de uma tentativa de ganhar favor divino pela observância de regras externas.
Nesse contexto, Paulo aborda diretamente a questão dos dias especiais, incluindo o sábado:
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2:16-17).
O apóstolo deixa claro que a guarda de dias especiais, incluindo o sábado, não deve ser motivo de julgamento entre os cristãos. Esses dias eram “sombras” que apontavam para Cristo, mas agora que Ele veio, a substância (o “corpo”) pertence a Ele.
Ellen White, no entanto, insiste na continuidade da guarda do sábado para os cristãos:
“Deus requer que Seu santo dia seja tão religiosamente observado agora, como o era no tempo de Israel. O mandamento dado aos hebreus deve ser observado por todos os cristãos” [5].
Essa afirmação ignora o ensino claro do Novo Testamento sobre a relação entre a lei e a graça, e a liberdade que os cristãos têm em relação a dias especiais. Ela impõe sobre os crentes uma obrigação que o próprio apóstolo Paulo declarou não ser mais necessária.
15 versos bíblicos sobre a liberdade em Cristo e o Sábado:
1. “Portanto, ninguém vos julgue pelo comer ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2:16-17).
2. “Tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, cravando-o na cruz” (Colossenses 2:14).
3. “De ninguém seja servo. Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo” (Romanos 14:5-6).
4. “Mas agora, conhecendo a Deus, ou, melhor, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos” (Gálatas 4:9-10).
5. “Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não vos sujeiteis outra vez a jugo de escravidão” (Gálatas 5:1).
6. “De Cristo vos desligastes, vós que procurais ser justificados por lei; da graça decaístes” (Gálatas 5:4).
7. “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:31-32).
8. “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11:28-30).
9. “Disse-lhes, pois, Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu” (João 6:32).
10. “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. Portanto, o Filho do Homem é Senhor até do sábado” (Marcos 2:27-28).
11. “Todos os que deles se eximem serão extirpados. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, e ao sétimo dia descansou, pelo que o Senhor abençoou o dia de sábado, e o santificou. (Com efeito, a lei, tendo a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, não pode nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem de ano em ano, aperfeiçoar os que a eles se chegam” (Êxodo 31:14-15; Hebreus 10:1).
12. “Havendo Deus falado antigamente muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho” (Hebreus 1:1-2).
13. “Mas agora alcançou ele ministério tanto mais excelente, quanto é mediador dum melhor concerto, que está confirmado em melhores promessas. Porque, se aquele primeiro fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para o segundo” (Hebreus 8:6-7).
14. “Dizendo: Novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tornado velho e se envelhece perto está de desaparecer” (Hebreus 8:13).
15. “Mas, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual era transitória, como não será de maior glória o ministério do Espírito?” (2 Coríntios 3:7-8).
Esses versos mostram claramente que com a vinda de Cristo e o estabelecimento da nova aliança, os cristãos não estão mais sob a obrigação de guardar o sábado como era exigido na antiga aliança. O sábado era uma sombra que apontava para Cristo, e agora que Ele veio, nossa atenção deve estar n’Ele, não na sombra. Em Cristo, encontramos o verdadeiro descanso e liberdade.
Conclusão
As evidências bíblicas demonstram que antes da aliança do Sinai, Deus não ordenou a ninguém que guardasse o sábado. Não há registro de que a lei do sábado tenha sido dada a Adão e Eva no Éden, nem aos patriarcas. O sábado é introduzido no contexto do êxodo e formalmente estabelecido como parte da aliança específica entre Deus e Israel no Sinai.
Com a vinda de Cristo e a nova aliança, a relação dos crentes com a lei muda. Somos justificados pela fé, não pela observância de dias especiais. O sábado, como sombra, apontava para Cristo, mas agora que Ele veio, nossa atenção deve estar n’Ele, não na sombra.
As afirmações de Ellen White sobre a suposta universalidade e perpetuidade da lei do sábado contradizem o claro testemunho das Escrituras. Elas impõem sobre os cristãos um jugo que nem mesmo os apóstolos colocaram sobre os crentes gentios (Atos 15:10).
Como cristãos, nossa verdadeira paz e descanso são encontrados em Cristo, não na observância de um dia específico. Ele nos convida a ir a Ele e encontrar descanso para nossas almas (Mateus 11:28-30). Nele, não há condenação (Romanos 8:1), mas vida e liberdade (João 8:36).
Recursos Adicionais
1. “The Sabbath in the Old Testament” – Harold H.P. Dressler, em “From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical, Historical and Theological Investigation”, ed. D.A. Carson.
2. “The Sabbath Before Sinai” – R.J. Bauckham, em “From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical, Historical and Theological Investigation”, ed. D.A. Carson.
3. “Encountering the Sabbath in the Old Testament” – C.L. Meyers, em “Perspectives on the Sabbath: Four Views”, ed. Christopher John Donato.
4. “The Sabbath in the Prophetic and Historical Literature of the Old Testament” – Gerhard F. Hasel, em “The Sabbath in Scripture and History”, ed. Kenneth A. Strand.
5. “The Sabbath in the Old Testament Prophets” – Hans K. LaRondelle, em “The Sabbath in Scripture and History”, ed. Kenneth A. Strand.
Referências:
[1] Ellen G. White, “O Grande Conflito”, p. 433.
[2] Ellen G. White, “O Grande Conflito Entre Cristo e Satanás”, p. 9.
[3] Ellen G. White, “Fé e Obras”, p. 80.
[4] Ellen G. White, “O Desejado de Todas as Nações”, p. 168.
[5] Ellen G. White, “Patriarcas e Profetas”, p. 305.