Introdução
A Lição 9, intitulada “O fundamento do governo de Deus”, aborda a doutrina adventista da lei de Deus, particularmente a permanência dos Dez Mandamentos e a validade contínua do sábado do sétimo dia. Ela conecta esses temas com o conflito cósmico entre Cristo e Satanás e a marca da besta mencionada em Apocalipse.
Embora a lição levante algumas questões válidas sobre a importância da lei de Deus, ela também faz várias afirmações problemáticas que refletem uma perspectiva distintamente adventista, diferindo significativamente da teologia protestante clássica e do consenso dos estudiosos bíblicos. Como cristãos comprometidos com o princípio da Sola Scriptura, devemos examinar cuidadosamente essas afirmações à luz do claro ensino da Palavra de Deus.
Domingo: O Santuário e a Lei
A lição corretamente aponta que a arca da aliança no santuário continha as tábuas dos Dez Mandamentos, refletindo a importância da lei de Deus.[1] No entanto, a lição então faz a afirmação questionável de que, uma vez que a lei estava no lugar santíssimo do santuário celestial, “certamente não podia ter sido eliminada na cruz”.[1]
Essa declaração reflete uma compreensão peculiarmente adventista da relação entre a lei e o evangelho. A maioria dos teólogos protestantes não argumentaria que a lei moral de Deus foi “eliminada” na cruz, mas sim que seu poder condenatório sobre os crentes foi removido devido à obra expiatória de Cristo (Romanos 8:1-4).[2] A presença da lei no santuário celestial não significa que os cristãos estejam sob a antiga aliança legalista.
Segunda: A Imutabilidade da Lei de Deus
A lição cita corretamente várias passagens que falam da eterna natureza da lei de Deus (Mateus 5:17-18; Salmo 111:7-8).[1] A lei moral de Deus, como um reflexo de Seu caráter, é de fato imutável. No entanto, isso não significa que todos os aspectos da lei do Antigo Testamento se apliquem da mesma maneira aos cristãos.
A Confissão de Fé de Westminster, um padrão da teologia protestante, faz uma distinção útil: “Além desta lei, comumente chamada lei moral, aprouve a Deus dar ao povo de Israel, como uma igreja sob idade, leis cerimoniais. […] Todas as quais leis cerimoniais são agora ab-rogadas sob o Novo Testamento. A eles também, como um corpo político, Ele deu várias leis judiciais, que expiraram juntamente com o estado daquele povo, não obrigando a qualquer outro agora”.[3]
Em outras palavras, enquanto a lei moral continua, os aspectos cerimoniais e civis da lei mosaica não são mais vinculativos para os cristãos. Isso é consistente com o ensino do Novo Testamento sobre os crentes não estarem mais sob a lei, mas sob a graça (Romanos 6:14).
Terça: O Sábado e a Lei
A lição argumenta vigorosamente a favor da validade contínua do sábado do sétimo dia, conectando-o com o relato da criação e afirmando que ele “aponta para o Criador que nos amou demais para nos abandonar quando nos afastamos de Seu propósito”.[1]
No entanto, embora o sábado seja certamente uma instituição da criação (Gênesis 2:1-3), o Novo Testamento nunca o impõe diretamente aos cristãos gentios. Pelo contrário, Paulo parece colocar a observância do sábado na categoria de questões de consciência sobre as quais os cristãos podem discordar (Romanos 14:5-6). Ele também adverte contra julgar uns aos outros com base em sábados (Colossenses 2:16-17).
A ideia de que a observância do sábado é o sinal dos fiéis no tempo do fim é uma doutrina distintamente adventista, não uma clara ênfase do Novo Testamento. A maioria dos protestantes historicamente viu o Dia do Senhor (domingo) como um dia de adoração e descanso que honra a ressurreição de Cristo, não como uma mera substituição do sábado.[4]
Quarta: A Marca da Besta
A lição interpreta a marca da besta em Apocalipse como sendo a imposição de um falso dia de adoração (domingo), em oposição ao verdadeiro sábado.[1] Ela afirma: “A única parte dos Dez Mandamentos que trata do tempo é o quarto mandamento. Esse poder tentou mudar o dia de adoração do sábado para o domingo.”[1]
Essa é uma interpretação peculiarmente adventista sem claro fundamento no texto de Apocalipse. A maioria dos estudiosos protestantes entende a marca da besta simbolicamente, geralmente se referindo à fidelidade ao sistema do Anticristo, não especificamente a um dia de adoração.[5]
Ao ler Apocalipse, devemos ter cuidado para não impor sistemas proféticos extra-bíblicos no texto. O livro não menciona explicitamente um conflito sobre sábado versus domingo. Essa é uma construção da escatologia adventista.
Quinta: As Três Mensagens Angélicas
A lição apresenta as três mensagens angélicas de Apocalipse 14 como um chamado à verdadeira adoração no contexto da controvérsia sobre a lei de Deus e o sábado.[1]
No entanto, o texto de Apocalipse não menciona a lei ou o sábado nessas mensagens. A referência ao “evangelho eterno” e à fidelidade dos “santos” não é um código para um sistema escatológico detalhado de eventos do tempo do fim. Devemos ser cautelosos em ler nossas próprias construções teológicas nas passagens altamente simbólicas de Apocalipse.
Conclusão
Em resumo, a Lição 9 apresenta uma perspectiva sobre a lei e o sábado que é distintamente adventista, divergindo significativamente da teologia protestante histórica e do consenso dos estudiosos bíblicos. Embora a lição levante pontos válidos sobre a imutabilidade da lei moral de Deus, ela vai além da Escritura ao insistir na observância contínua do sábado do sétimo dia como uma marca dos fiéis do tempo do fim.
Como cristãos comprometidos com o princípio da Sola Scriptura, devemos basear nossas doutrinas nas claras afirmações da Palavra de Deus, não em elaborados sistemas teológicos construídos sobre interpretações questionáveis de passagens proféticas obscuras.
Que o Espírito Santo nos dê sabedoria ao estudarmos a Palavra, discernimento para distinguir a verdade do erro, e graça para descansar plenamente na obra consumada de Cristo como o verdadeiro cumprimento da lei em nosso favor.
Referências:
[1] Lição da Escola Sabatina Adulta, 2º trimestre de 2024, lição 9.
[2] John R. W. Stott, The Message of Romans, The Bible Speaks Today (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994), 218-219.
[3] A Confissão de Fé de Westminster, Capítulo XIX.
[4] R. J. Bauckham, “Sabbath and Sunday in the Post-Apostolic Church,” in From Sabbath to Lord’s Day, ed. D. A. Carson (Eugene, OR: Wipf and Stock, 1999), 251-298.
[5] G. K. Beale, The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text, New International Greek Testament Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1999), 715-717.
Correções Importantes:
A Lição 9 contém várias afirmações históricas problemáticas em relação à teologia da lei, do sábado e da história do cristianismo. Aqui estão algumas das principais falhas, juntamente com correções baseadas em fontes históricas e teológicas respeitadas:
1. A lição afirma: “Esse poder tentou mudar o dia de adoração do sábado para o domingo.”[1] Isso sugere que houve uma mudança abrupta e autoritária do sábado para o domingo na história da igreja.
Correção: A transição da observância do sábado para o domingo na igreja primitiva foi um processo gradual e complexo, não uma mudança repentina imposta por um “poder” específico. Como observa o estudioso Samuele Bacchiocchi em seu estudo detalhado sobre o assunto: “A adoção da observância do domingo em lugar do sábado não ocorreu no cristianismo primitivo de um dia para o outro por meio do pronunciamento explícito de Jesus ou dos apóstolos, mas gradualmente ao longo de um período de tempo como resultado de uma interação de fatores político-religiosos, sociais e litúrgicos.”[2]
2. A lição cita Ellen White afirmando que “a lei divina está sagradamante guardada” no “santuário celestial”, implicando que a lei cerimonial ainda é vinculativa.[1]
Correção: A ideia de que a inteira lei mosaica, incluindo suas dimensões cerimoniais e civis, ainda seja vinculativa para os cristãos contradiz o consenso da teologia protestante histórica. Como declara o Catecismo Maior de Westminster: “Todas as quais leis cerimoniais são agora ab-rogadas sob o Novo Testamento.”[3] O livro de Hebreus enfatiza repetidamente a descontinuidade entre a antiga aliança, com suas ordenanças cerimoniais, e a nova aliança estabelecida por Cristo (por exemplo, Hebreus 8:13).
3. A lição apresenta a observância do sábado do sétimo dia como a marca dos fiéis no tempo do fim, em contraste com um “falso sábado, domingo” imposto pela “besta”.[1]
Correção: A ideia de uma controvérsia escatológica centrada no sábado versus domingo é uma doutrina distintamente adventista sem precedente claro na teologia cristã histórica. Como observa o estudioso D. A. Carson: “Embora a discussão sobre o sábado tenha gerado uma literatura considerável ao longo da história da igreja, […] em geral não se argumentou que a guarda ou não do sábado servia para distinguir os verdadeiros crentes dos falsos na consumação escatológica.”[4] Essa é uma novidade teológica adventista, não uma doutrina protestante clássica.
4. A lição cita Ellen White afirmando que “o sábado é vital para entender o plano da salvação.”[1]
Correção: Enquanto a teologia adventista certamente dá ao sábado um lugar preeminente, ele não ocupa um papel tão central na teologia da maioria das tradições cristãs. Como observa o teólogo reformado Robert Reymond: “A visão ‘sabatista’, de que a observância do sábado do sétimo dia ainda é obrigatória para a igreja, é quase exclusivamente limitada aos adventistas do sétimo dia e a alguns grupos batistas do sétimo dia muito menores. […] Essas posições estão seriamente erradas no assunto.”[5] Classificar a guarda do sábado como “vital” para a salvação reflete uma ênfase teológica distintamente adventista, não uma doutrina cristã universal.
Essas falhas históricas destacam a natureza idiossincrática da abordagem adventista à lei e ao sábado. Embora esses pontos de vista certamente sejam teologicamente permissíveis, eles não devem ser apresentados como se fossem o consenso cristão histórico ou a clara implicação da Escritura.
Ao estudarmos esses temas complexos, devemos dar prioridade ao claro ensino das Escrituras sobre a suficiência da obra de Cristo e o caráter da nova aliança. Nosso foco deve estar no evangelho da graça, não em controvérsias especulativas sobre dias e práticas específicas.
Que o Espírito de Deus nos conceda sabedoria ao manejarmos Sua Palavra, discernimento para distinguir doutrinas essenciais de questões secundárias, e graça para descansar plenamente na obra consumada de Cristo em nosso favor.
Referências:
[1] Lição da Escola Sabatina Adulta, 2º trimestre de 2024, lição 9.
[2] Samuele Bacchiocchi, From Sabbath to Sunday: A Historical Investigation of the Rise of Sunday Observance in Early Christianity (Rome: The Pontifical Gregorian University Press, 1977), 11.
[3] Catecismo Maior de Westminster, resposta 34.
[4] D. A. Carson, ed., From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical, Historical and Theological Investigation (Eugene, OR: Wipf and Stock, 1999), 16.
[5] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, 2nd ed. (Nashville: Thomas Nelson, 1998), 443-444.