Introdução
A Lição 8, intitulada “Luz do santuário”, aborda a doutrina adventista do santuário celestial e sua relação com a interpretação da profecia dos 2300 dias de Daniel 8:14. A lição argumenta que o ministério de Cristo no santuário celestial, especialmente a partir de 1844, cumpre essa profecia e é central para o plano da salvação.
No entanto, essa interpretação peculiarmente adventista da profecia de Daniel e do santuário celestial carece de sólido fundamento bíblico e difere significativamente da compreensão da maioria dos eruditos bíblicos e teólogos cristãos históricos. Como cristãos comprometidos com a autoridade das Escrituras, devemos examinar cuidadosamente essas afirmações, sempre deixando a Bíblia interpretar a si mesma em seu contexto pretendido.
Domingo: O Santuário Celestial
A lição corretamente aponta que a Bíblia menciona um santuário celestial que serviu de modelo para o tabernáculo terrestre, citando textos como Êxodo 25:8-9,40 e Hebreus 8:1-6.[1] A realidade de um santuário celestial é claramente bíblica.
No entanto, a lição então declara dogmaticamente que Daniel 8:14 deve se referir ao santuário celestial, uma vez que não havia santuário terrestre em 1844.[1] Essa é uma suposição interpretativa, não uma conclusão necessária do texto. A grande maioria dos intérpretes bíblicos ao longo da história entendeu Daniel 8:14 como se referindo à purificação do santuário terrestre após sua profanação por Antíoco IV Epifânio no segundo século AEC.[2]
Segunda: No Santo dos Santos
A lição discute o significado do Dia da Expiação no Antigo Testamento e sua relação com a purificação do santuário mencionada em Daniel 8:14.[1] Embora essas cerimônias do Antigo Testamento certamente prefiguravam a obra expiatória de Cristo, a ideia de que apontavam especificamente para 1844 é uma interpretação peculiarmente adventista sem claro precedente bíblico ou histórico.
A noção de que Cristo entrou no Santo dos Santos celestial em 1844 para começar uma obra de “juízo investigativo” é uma doutrina distintamente adventista baseada na interpretação de Ellen White[1], não uma conclusão clara da exegese bíblica. O livro de Hebreus apresenta Cristo entrando “uma vez por todas” no Santo dos Santos celestial na Sua ascensão, não em 1844 (Hebreus 9:12).
Terça: O Juízo Chegou
A lição equaciona o “juízo investigativo” que supostamente começou em 1844 com o juízo pré-advento descrito em passagens como Daniel 7:9-10 e Apocalipse 22:12.[1] Mas essa interpretação lê ideias adventistas nos textos. Apocalipse retrata consistentemente um juízo geral final no fim do mundo, não um juízo investigativo começando em 1844.
A aplicação da parábola das dez virgens (Mateus 25:1-13) ao suposto fechamento da porta da graça no fim do juízo investigativo[1] é uma interpretação altamente alegórica e especulativa. A parábola é um chamado geral à prontidão espiritual, não um roteiro codificado de eventos específicos do tempo do fim.
Quarta: A Boa Notícia do Lugar Santíssimo
A lição corretamente enfatiza a realidade do ministério intercessor de Cristo no santuário celestial com base em textos como Hebreus 4:14-16 e 8:1-2.[1] O acesso confiante de um crente ao trono celestial da graça através da obra mediadora de Cristo é claramente ensinado na Escritura.
No entanto, a lição então conecta isso com a visão da arca da aliança no templo celestial em Apocalipse 11:19.[1] Mas essa visão apocalíptica altamente simbólica não está necessariamente descrevendo eventos literais no céu em 1844. Referências apocalípticas ao santuário celestial não exigem a interpretação adventista do juízo investigativo.
Quinta: Jesus, Nosso Advogado no Juízo
A lição destaca corretamente a singularidade e suficiência do sacrifício de Cristo, em contraste com os sacrifícios repetidos do Antigo Testamento, com base em Hebreus 10:11-14.[1] A eficácia do sacrifício “uma vez por todas” de Cristo é um ensino bíblico central.
No entanto, a lição então avança para uma discussão sobre a necessidade do juízo investigativo e a intercessão contínua de Cristo no contexto adventista.[1] Embora a intercessão de Cristo seja certamente bíblica (Hebreus 7:25), a ideia de um juízo investigativo multi-faseado não é uma clara doutrina bíblica. É uma elaboração teológica distintamente adventista.
Conclusão
Em resumo, a Lição 8 apresenta uma interpretação adventista do santuário celestial e do juízo investigativo que carece de claro fundamento na Escritura e no consenso histórico cristão. Enquanto a realidade do ministério celestial de Cristo é certamente bíblica, as elaboradas reconstruções adventistas de um juízo investigativo começando em 1844 vão muito além do claro ensino bíblico.
Como cristãos bíblicos, devemos ancorar todas as nossas doutrinas na Escritura, não em interpretações especulativas de passagens proféticas obscuras. Nosso foco deve estar na clara obra salvífica de Cristo como nosso sacrifício e sumo sacerdote, não em cronologias esotéricas de eventos do fim dos tempos.
Que o Espírito nos conceda sabedoria ao estudarmos Sua Palavra, discernimento para distinguir a verdade do erro, e graça para confiar plenamente na suficiência de Cristo como nosso Salvador e mediador celestial.
Referências:
[1] Lição da Escola Sabatina Adulta, 2º trimestre 2024, lição 8.
[2] Gerhard F. Hasel, “The ‘Little Horn,’ the Heavenly Sanctuary and the Time of the End: A Study of Daniel 8:9-14,” in Symposium on Daniel, ed. Frank B. Holbrook (Washington, DC: Biblical Research Institute, 1986), 378-461.
Correções Importantes
A Lição 8 apresenta várias afirmações históricas problemáticas relacionadas à interpretação adventista do santuário celestial e da profecia dos 2300 dias. Aqui estão algumas das principais falhas históricas, juntamente com correções baseadas em fontes académicas respeitadas:
1. A lição afirma: “Ao se debruçarem sobre as Escrituras depois de outubro de 1844, os primeiros crentes adventistas entenderam que há dois santuários mencionados na Bíblia – o que Moisés construiu e o original no Céu.”[1]
Correção: Embora a ideia de um santuário celestial tenha algum fundamento bíblico (por exemplo, Hebreus 8:1-2), a noção específica de que a profecia dos 2300 dias de Daniel 8:14 se refere à purificação do santuário celestial em 1844 originou-se com os adventistas, não com “os primeiros crentes”. Como observa o historiador adventista George Knight: “A visão de um ministério em duas fases de Cristo no santuário celestial foi uma perspectiva unicamente adventista do sétimo dia. Ninguém mais havia sugerido isso antes.”[2]
2. A lição afirma: “Visto que a profecia de Daniel 8:14 se cumpre nesta era, o santuário ao qual ela se refere é o da nova aliança.”[1]
Correção: A ideia de que Daniel 8:14 se refere ao santuário celestial e se cumpre em 1844 é uma interpretação distintamente adventista, não a conclusão aceita pelos eruditos bíblicos em geral. Como explica o teólogo Desmond Ford em sua crítica à interpretação adventista: “Nenhum erudito não adventista jamais interpretou Dan. 8:14 com referência a um santuário celestial ou a 1844. Com poucas exceções, não houve eruditos adventistas que defenderam tal ponto de vista nos primeiros cinquenta anos de nossa história.”[3]
3. A lição cita Ellen White afirmando que a doutrina do santuário celestial é “o próprio fundamento da nossa fé”.[1]
Correção: Embora a doutrina do santuário seja certamente central para a teologia adventista, ela não é enfatizada da mesma maneira na teologia cristã histórica mais ampla. Como observa o estudioso adventista Roy Adams em sua pesquisa sobre o tema: “Durante a maior parte da era cristã, o santuário celestial, como uma entidade distinta, quase não recebeu atenção no pensamento teológico fora da tradição adventista. […] Com poucas exceções, os teólogos cristãos em geral não desenvolveram uma “doutrina” do santuário celestial.”[4]
4. A lição apresenta a compreensão adventista do juízo investigativo e do ministério de Cristo no santuário celestial como começando em 1844 com base na profecia dos 2300 dias.[1]
Correção: A doutrina adventista do juízo investigativo é uma interpretação teológica distintamente adventista sem paralelo claro na teologia cristã histórica. Como explica o historiador da igreja Justo González: “A noção de um ‘juízo investigativo’ é peculiar aos Adventistas do Sétimo Dia, e se baseia em uma interpretação de Daniel 8:14 que poucos cristãos fora dessa tradição aceitaram.”[5] A ideia de que esse juízo começou em 1844 com base na profecia dos 2300 dias é uma inovação teológica adventista, não uma doutrina historicamente aceita.
Essas falhas históricas destacam a natureza distintamente adventista da interpretação do santuário celestial apresentada na lição, em contraste com o entendimento bíblico e teológico mais amplo ao longo da história da igreja. Embora os adventistas obviamente tenham o direito de manter suas crenças distintivas, é importante reconhecer quando essas crenças divergem da interpretação bíblica e da tradição teológica mais ampla.
Ao estudarmos questões proféticas e doutrinárias complexas, devemos fundamentar nossas conclusões no claro ensino das Escrituras, não em elaboradas reconstruções teológicas baseadas em interpretações questionáveis de passagens obscuras. Nosso foco deve estar na centralidade de Cristo e Sua obra como nosso Salvador e Sumo Sacerdote, não em cronologias esotéricas ou esquemas proféticos especulativos.
Que o Espírito de Deus nos dê discernimento ao estudarmos Sua Palavra, sabedoria para discernir a verdade do erro, e graça para nos aproximar com confiança do trono da graça celestial através da obra consumada de nosso fiel Sumo Sacerdote, Jesus Cristo.
Referências:
[1] Lição da Escola Sabatina Adulta, 2º trimestre 2024, lição 8.
[2] George R. Knight, A Search for Identity: The Development of Seventh-day Adventist Beliefs (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), 68.
[3] Desmond Ford, Daniel 8:14: The Day of Atonement and the Investigative Judgment (Casselberry, FL: Euangelion Press, 1980), 1.
[4] Roy Adams, The Sanctuary Doctrine: Three Approaches in the Seventh-day Adventist Church (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1981), 18-19.
[5] Justo L. González, A History of Christian Thought, vol. 3, From the Protestant Reformation to the Twentieth Century (Nashville: Abingdon Press, 1975), 292-293.