Lição 4 – Em Defesa da Verdade

Introdução

A Lição 4, intitulada “Em defesa da verdade”, aborda o tema da perseverança dos fiéis valdenses e reformadores como Wycliffe e Hus diante da perseguição durante a Idade Média. Ela enfatiza sua lealdade às Escrituras e coragem em enfrentar a oposição.

Embora a lição levante pontos válidos sobre a importância de se manter fiel à Palavra de Deus, ela também faz algumas afirmações históricas questionáveis, baseando-se mais nos escritos de Ellen White do que em fontes históricas primárias. Como cristãos bíblicos, devemos fundamentar nossa fé no claro ensino das Escrituras e examinar cuidadosamente as alegações históricas à luz da melhor pesquisa disponível.

Vamos analisar os pontos principais de cada dia:

Domingo: Perseguidos, mas Triunfantes

A lição corretamente aponta para os períodos proféticos de 1260 dias/anos em Daniel 7:25 e Apocalipse 12:6,14 como se referindo a um tempo de perseguição à igreja.[1] No entanto, a afirmação de que esses 1260 anos se estendem de 538 a 1798 d.C. é baseada na interpretação de Ellen White[1], não no claro ensino bíblico. Estudiosos bíblicos divergem sobre a interpretação exata desses períodos proféticos.

A lição também afirma que as “tribos bárbaras” visigodos, vândalos e ostrogodos “acreditavam nas doutrinas de forma diferente do ensino de Roma”, sem fornecer evidências históricas para essa alegação.[1]

Segunda: A Luz Vence a Escuridão

A lição corretamente enfatiza a importância de defender a fé bíblica contra erros, como Judas 3-4 adverte.[1] E há evidências históricas de que os valdenses se apegaram fielmente às Escrituras em face da oposição.[2]

No entanto, novamente a lição cita Ellen White para afirmar que “em cada época houve testemunhas de Deus” que “mantinham as Escrituras Sagradas como a única regra de vida e santificavam o verdadeiro sábado”.[1] Embora certamente houvesse fiéis testemunhas de Deus, a afirmação específica sobre a guarda do sábado não é claramente apoiada por evidências históricas.

Terça: Fiéis em Meio à Perseguição

A lição corretamente aponta que os seguidores de Jesus enfrentarão tribulação e até mesmo a morte por sua fé, mas receberão a “coroa da vida” (Apocalipse 2:10).[1] E há evidências históricas, como relatos antigos, de cristãos enfrentando corajosamente o martírio.[3]

No entanto, a lição novamente vai além do relato bíblico quando especula que a “coroa da vida” era “colocada na cabeça dos vitoriosos sobre as forças do mal” em contraste com uma “coroa terrena colocada por ocasião da morte” dos sacerdotes de Dionísio em Esmirna.[1] Essa é uma interpretação especulativa, não uma explicação bíblica clara.

Quarta: Coragem para Permanecer em Pé

A lição corretamente enfatiza o compromisso inabalável dos reformadores com as Escrituras e sua coragem em enfrentar a oposição, a exemplo dos apóstolos (Atos 5:29).[1] E há evidências históricas do trabalho dos valdenses e de Wycliffe em traduzir e disseminar a Bíblia, mesmo diante de grande oposição.[4][5]

No entanto, a lição faz algumas alegações históricas questionáveis, como afirmar que Wycliffe “passou a vida traduzindo a Bíblia para o inglês” e que após sua morte “o papado desenterrou seus restos mortais, queimou-os e jogou suas cinzas no rio Swift”.[1] Embora Wycliffe tenha sido um pioneiro na tradução da Bíblia para o inglês, ele não passou a vida inteira nesse trabalho, e a queima de seus ossos ocorreu 44 anos após sua morte por causas naturais.[5]

Quinta: Animados pela Esperança

A lição ressalta corretamente a esperança da ressurreição e da vida eterna em Jesus que sustentou os reformadores em face do martírio (João 11:25-26).[1] E há evidências históricas da perseverança fiel de reformadores como Jan Hus em seus escritos e relatos de sua execução.[6]

No entanto, a lição cita extensivamente a descrição de Ellen White do encarceramento e martírio de Hus[1], em vez de se basear em fontes históricas primárias. Embora White possa oferecer percepções espirituais, seu relato não deve ser tratado como um registro histórico autoritativo.

Conclusão

Em resumo, a Lição 4 levanta pontos válidos sobre a importância de se manter fiel à Palavra de Deus e perseverar diante da oposição, como demonstrado pelos valdenses e reformadores. Suas histórias de coragem e compromisso são de fato inspiradoras.

No entanto, a lição muitas vezes vai além do claro ensino bíblico, baseando-se pesadamente nas interpretações históricas de Ellen White. Como cristãos comprometidos com o princípio Sola Scriptura, devemos fundamentar nossas doutrinas no texto bíblico, não em fontes extra-bíblicas, por mais bem-intencionadas que sejam.

Que o Senhor nos dê sabedoria para estudar diligentemente Sua Palavra e segui-la fielmente, mesmo diante de oposição, mantendo sempre Jesus e Seu evangelho da graça como nosso âncora.

Referências:


[1] Lição da Escola Sabatina Adulta, 2º trimestre 2024, lição 4.
[2] Giorgio Tourn, The Waldensians: The First 800 Years, trad. Camillo P. Merlino (Torino, Italy: Claudiana Editrice, 1980), 180.
[3] Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, trad. Paul L. Maier (Grand Rapids, MI: Kregel, 1999), 150-151.
[4] Prescot Stephens, The Waldensian Story: A Study in Faith, Intolerance and Survival (Lewes, Sussex: The Book Guild Ltd., 1998), 218.
[5] Scott Hubbard, “John Wycliffe’s Teachings and Bible Translations,” Christianity.com, March 23, 2022, https://www.christianity.com/church/church-history/timeline/1301-1500/john-wycliffes-teachings-bible-translations-11629853.html
[6] Matthew Spinka, John Hus at the Council of Constance, ed. and trans. Matthew Spinka (New York and London: Columbia University Press, 1965), 184-206.

Recursos Adicionais: Alguns pontos históricos problemáticos da Lição 4


Aqui estão alguns pontos históricos problemáticos da Lição 4, seguidos de correções com fontes:

1. A lição afirma: “Os 1.260 dias começaram quando a última dessas tribos bárbaras, os ostrogodos, foram expulsos de Roma em 538 d.C. O período de escuridão espiritual continuou até 1798 d.C., quando o general de Napoleão, Berthier, removeu o papa de Roma.”[1]

Correção: A ideia de que os 1260 dias proféticos se estendem de 538 a 1798 d.C. é baseada na interpretação de Ellen White, não no claro ensino bíblico. Estudiosos bíblicos têm diferentes interpretações sobre esses períodos proféticos. Como observa o teólogo William Shea: “Sete principais interpretações foram propostas para a identidade do chifre pequeno de Daniel 7 e para as datas de início e fim de seu domínio opressivo de ‘1260 dias’ sobre o povo de Deus […] A mais comum entre elas, a visão historicista, identifica o chifre pequeno com o papado e data seu governo de 538 a 1798 d.C.”[2]

2. A lição afirma: “Jean Leger, um valdense que fazia cópias da Bíblia à mão, escreveu um comovente relato, que inclui desenhos, sobre essa atividade deles.”[1]

Correção: Não há evidência histórica de um valdense chamado Jean Leger que fez cópias da Bíblia à mão. Esse nome parece ser uma confusão com Jean Leger (1615-1670), um pastor e historiador valdense que escreveu uma história dos valdenses, mas séculos após o período da cópia manual da Bíblia. Como observa o historiador Gabriel Audisio: “No século XVI, os barbes [pastores valdenses] já não produziam mais manuscritos bíblicos, limitando-se a copiar, para seu uso pessoal, os textos de que precisavam em pequenos cadernos.”[3]

3. A lição afirma: “John Wycliffe passou a vida traduzindo a Bíblia para o inglês” e que após sua morte “o papado desenterrou seus restos mortais, queimou-os e jogou suas cinzas no rio Swift.”[1]

Correção: Embora Wycliffe tenha sido um pioneiro na tradução da Bíblia para o inglês, ele não passou a vida inteira nesse trabalho. Como observa a Enciclopédia Britânica: “De 1374 em diante, os esforços de Wycliffe se concentraram cada vez mais em questões de ordem doutrinária e teológica […] Parte de seu plano para a reforma da igreja envolvia a tradução da Bíblia para o vernáculo e a formação de seus seguidores, os ‘sacerdotes pobres’, que esclareciam as Escrituras ao povo. A Bíblia de Wycliffe apareceu em 1388.”[4] Além disso, a queima dos ossos de Wycliffe ocorreu em 1428, 44 anos após sua morte por causas naturais em 1384, não imediatamente após seu falecimento.[5]

Fontes:


[1] Lição da Escola Sabatina Adulta, 2º trimestre 2024, lição 4.
[2] William H. Shea, “The Prophecy of Daniel 7:9-14,” Journal of the Adventist Theological Society 7/1 (Spring 1996): 105-106.
[3] Gabriel Audisio, The Waldensian Dissent: Persecution and Survival, c.1170-c.1570 (Cambridge: Cambridge University Press, 1999), 147.
[4] Encyclopaedia Britannica, s.v. “John Wycliffe,” acessado em 21 de maio de 2023, https://www.britannica.com/biography/John-Wycliffe.
[5] Matthew Spinka, ed., Advocates of Reform from Wyclif to Erasmus (Philadelphia: The Westminster Press, 1953), 25.

Outros Artigos

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