As religiões com foco escatológico — aquelas que giram em torno da ideia do “fim dos tempos” — enfrentam um ponto de inflexão global. Movimentos como os Adventistas do Sétimo Dia, as Testemunhas de Jeová e os mórmons (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias) construíram suas identidades sobre visões proféticas, datas esperadas e interpretações apocalípticas. No entanto, o cenário atual se torna cada vez mais desfavorável para essas igrejas do “fim do mundo”. Duas forças principais estão convergindo para acelerar seu declínio: o colapso geracional e o colapso profético.
1. A Curva Geracional e o Impacto do Acesso à Informação
Estudos recentes em sociologia da religião têm mostrado que os jovens adultos — especialmente os das gerações Z e Alpha — são altamente avessos a instituições religiosas dogmáticas. Eles buscam espiritualidade fluida, ética social e coerência racional. O apelo ao “fim iminente” e ao “juízo divino” já não ressoa como antes. Segundo relatório da própria Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul, entre 2022 e 2024, a evasão de jovens entre 18 e 30 anos ficou entre 37,2% e 38,2%, enquanto a entrada de novos membros dessa faixa etária manteve-se estagnada entre 17,2% e 17,9%.¹
Este padrão se repete em outras denominações apocalípticas. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, viram queda significativa na retenção de jovens batizados — muitos abandonam a fé ao alcançarem a independência intelectual e emocional, frequentemente após entrarem em contato com fontes históricas externas ou ex-membros que revelam incoerências doutrinárias, como os sucessivos fracassos nas previsões de datas para o Armagedom (1914, 1925, 1975).
2. As Falhas Proféticas: A Erosão da Autoridade
Nenhuma religião escatológica sobrevive ilesa a falhas proféticas. O século XX foi particularmente desastroso para igrejas que basearam sua existência em previsões temporais. O movimento adventista nasceu de um fracasso profético: o Grande Desapontamento de 1844, quando a volta de Cristo, prevista por William Miller, não aconteceu. Ellen G. White, figura central do adventismo, reinterpretou o evento e fundamentou a doutrina do “juízo investigativo” — um conceito que carece de base bíblica direta e que hoje divide a própria comunidade adventista entre fundamentalistas e reformistas.
Da mesma forma, os mórmons sustentam crenças que incluem a restauração do cristianismo original nos Estados Unidos e predições de eventos finais em torno da volta de Cristo na América do Norte. No entanto, a não realização das profecias de Joseph Smith, combinada com tensões doutrinárias modernas (como o abandono oficial da poligamia), tem enfraquecido o discurso apocalíptico original do grupo.
Falhas proféticas sistemáticas produzem uma das piores crises institucionais possíveis: a perda de confiança interna. Quando isso se alia ao crescimento da internet, redes sociais e livre circulação de documentos e testemunhos, a estrutura de autoridade baseada em revelações particulares entra em colapso.
Dados Oficiais da IASD
Indicador | 2022 | 2023 | 2024 |
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Presença na Escola Sabatina (%) | 86,1 | 88,0 | 88,8 |
Estudo Diário da Lição (%) | 45,4 | – | 43,6 |
Número de Pequenos Grupos | 61.185 | – | 65.243 |
Unidades de Ação da Escola Sabatina | 160.893 | – | 165.628 |
Pessoas Recebendo Estudos Bíblicos | 176.197 | 178.994 | 174.846 |
Pessoas Ministrando Estudos Bíblicos | 76.530 | 77.666 | 75.457 |
Jovens Batizados (18–30 anos) (%) | 17,2 | 17,6 | 17,9 |
Evasão de Jovens (18–30 anos) (%) | 37,2 | 38,0 | 38,2 |
Alunos Jovens na Escola Sabatina (%) | 88,2 | – | 90,2 |
Clubes de Aventureiros/Desbravadores | 548.370 | – | 609.686 |
Missão Calebe – Participantes | 145.226 | – | 158.275 |
Número de Anciãos/Diretores | 29.647 | 37.894 | 42.049 |
Jovens no Ancionato (%) | 9,8 | 8,9 | 8,6 |
3. Fundamentalismo vs Liberalismo: A Guerra Silenciosa
Igrejas escatológicas vivem hoje uma tensão existencial. De um lado, os fundamentalistas tentam manter a integridade das profecias originais, mesmo às custas do literalismo extremo e do isolamento cultural. De outro, os liberais e reformistas buscam adaptar a teologia à realidade moderna, reinterpretando simbolicamente doutrinas como o “fim do mundo”, o “remanescente fiel” ou a “porta da graça”.
No adventismo, essa tensão está visível: o presidente da Divisão Sul-Americana, pastor Stanley Arco, ao apresentar o relatório institucional de 2024, reconheceu que “há desafios para os quais precisamos olhar com atenção”.[¹] Entre os dados apresentados, está o fato de que menos de 9% dos líderes locais têm até 30 anos, e o estudo diário da Bíblia caiu de 45,4% para 43,6% em dois anos — números preocupantes para um movimento que depende de zelo escatológico constante.
4. O Futuro: A Caminho da Marginalização?
Tudo indica que o destino dessas religiões será a marginalização institucional nas próximas duas a três décadas. O modelo escatológico — construído sobre urgência, exclusivismo e autoridade profética inquestionável — está colapsando diante de uma geração mais informada, autônoma e crítica. Elas tenderão a:
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Fragmentar-se internamente entre alas conservadoras e progressistas, gerando conflitos doutrinários e divisões administrativas, como já se observa em debates sobre ordenação feminina, sexualidade e interpretação profética.
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Reduzir sua influência social, transformando-se em nichos étnico-religiosos ou comunidades de apoio identitário, especialmente em regiões de imigração onde a fé funciona mais como estrutura comunitária do que convicção teológica viva.
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Perder presença política, particularmente em países onde o secularismo e os direitos civis ganham espaço. As alianças com agendas políticas conservadoras poderão manter alguma relevância por curto prazo, mas tendem a isolar ainda mais essas religiões no longo prazo.
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Migrar para formatos digitais e desinstitucionalizados, como retiros espirituais independentes, redes sociais com líderes carismáticos autônomos, ou podcasts que promovem versões adaptadas das doutrinas tradicionais. O templo físico perde espaço para a “experiência personalizada” e menos hierárquica.
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Ser abandonadas por jovens formados em ambientes de pluralidade, ciência e acesso livre à informação, que ao confrontarem contradições históricas, dogmas desatualizados e práticas coercitivas, optam por buscar espiritualidade fora das molduras institucionais.
A profecia de que o mundo acabaria está se invertendo: são essas igrejas que estão acabando — não pelo fim externo previsto, mas pela implosão interna de suas estruturas. Estão se dissolvendo sob o peso de suas próprias expectativas não cumpridas, suas narrativas tensionadas pelo tempo e sua recusa em dialogar com o presente.
Conclusão
Religiões do fim do mundo sempre nasceram de crises sociais profundas. Mas agora, ironicamente, enfrentam sua própria crise de sobrevivência. O acesso à informação, o crescimento da liberdade individual e a falência de previsões proféticas colocam igrejas como a Adventista, os mórmons e as Testemunhas de Jeová diante de uma escolha inevitável: reformular profundamente sua teologia ou desaparecer como movimentos relevantes.
Notas
[1] https://noticias.adventistas.org/pt/lider-faz-balanco-do-crescimento-da-igreja-adventista/