Deus, o Sábado, Israel e Você

Introdução

O movimento adventista do sétimo dia, fundado no século XIX por Ellen G. White, Tiago White, Joseph Bates e outros pioneiros, tem como uma de suas doutrinas centrais a guarda do sábado como dia de adoração. Essa crença é baseada na interpretação de que o quarto mandamento do decálogo, registrado em Êxodo 20:8-11, é uma lei moral e perpétua para toda a humanidade. No entanto, uma análise bíblica cuidadosa revela que o sábado era um sinal da aliança específica entre Deus e a nação de Israel, não tendo aplicação universal.

O texto de Êxodo 31:12-17 deixa claro que a guarda do sábado era um pacto exclusivo entre Deus e os israelitas:

“Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: ‘Tu pois fala aos filhos de Israel: Certamente guardareis meus sábados; porquanto isso é um sinal entre mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que eu sou o Senhor, que vos santifica. […] Guardarão pois o sábado os filhos de Israel, celebrando o sábado nas suas gerações, por concerto perpétuo. Entre mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre; porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, e ao sétimo dia descansou, e restaurou-se’” (Êxodo 31:12-17).

“Entre mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre” [1]. Essa declaração restringe a observância do sábado como um sinal da relação especial entre Deus e a nação israelita. Não há nenhuma indicação de que esse mandamento deveria ser estendido a todos os povos.

Além disso, o sábado foi dado como parte da lei mosaica no Monte Sinai, após o êxodo do Egito. Antes disso, não há registros de que Deus tenha ordenado a guarda do sábado a ninguém, nem mesmo aos patriarcas como Noé, Abraão, Isaque e Jacó. Quando Deus fez a aliança com Abraão, prometendo abençoar todas as nações através dele (Gênesis 12:3), não mencionou a observância do sábado como um requisito.

O apóstolo Paulo, em sua epístola aos Gálatas, afirma que a lei foi acrescentada por causa das transgressões até que viesse a descendência de Abraão, que é Cristo (Gálatas 3:19). Ele compara a lei a um tutor que conduzia a Israel até Cristo, para que fossem justificados pela fé (Gálatas 3:24). Com a vinda de Cristo, os crentes não estão mais debaixo desse tutor (Gálatas 3:25).

“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, encerrados para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio” (Gálatas 3:23-25).

Portanto, a lei, incluindo o mandamento do sábado, tinha um propósito temporário de apontar para Cristo. Uma vez que Cristo veio e cumpriu a lei (Mateus 5:17), os cristãos não estão mais sob a obrigação de guardar o sábado como meio de justificação ou santificação.

O Sábado Era um Pacto Bilateral

Outro aspecto importante a ser considerado é que o pacto do sábado era bilateral, exigindo o cumprimento tanto de Deus quanto de Israel para ter validade. Deus estabeleceu as regras, e os israelitas concordaram em segui-las (Êxodo 24:3,7). Essa natureza bilateral do pacto é evidenciada pela declaração: “Guardareis pois o sábado, porquanto santo é para vós” [2].

No entanto, a nação de Israel falhou repetidamente em cumprir sua parte da aliança, quebrando os mandamentos de Deus e adorando outros deuses. Como consequência, Deus permitiu que fossem levados cativos para a Babilônia e, posteriormente, dispersos entre as nações.

O profeta Jeremias anuncia a vinda de uma nova aliança, que não seria como a antiga que os israelitas quebraram (Jeremias 31:31-34). Essa nova aliança seria estabelecida por meio do sangue de Cristo (Lucas 22:20) e seria baseada na fé, não nas obras da lei (Romanos 3:20-22).

A carta aos Hebreus explica que Cristo é o mediador de uma aliança superior, que torna a primeira obsoleta (Hebreus 8:6-13). A antiga aliança, com seus rituais e ordenanças, incluindo a guarda do sábado, foi substituída pela nova aliança da graça em Cristo.

A Igreja Primitiva e o Dia do Senhor

Uma evidência de que a igreja primitiva não considerava a guarda do sábado como um mandamento para os cristãos é a prática de se reunir no primeiro dia da semana, domingo, conhecido como “Dia do Senhor” (Apocalipse 1:10).

Os seguintes textos mostram que os primeiros cristãos se congregavam no domingo:

“E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e alargou a prática até à meia-noite” (Atos 20:7).
“No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que não se façam as coletas quando eu chegar” (1 Coríntios 16:2).

A ressurreição de Cristo, Sua aparição aos discípulos (João 20:19,26) e o derramamento do Espírito Santo no Pentecostes (Atos 2:1), todos ocorreram no primeiro dia da semana. Esses eventos fundamentais do cristianismo deram ao domingo um significado especial para os crentes.

A alegação de que a guarda do domingo foi uma invenção do imperador Constantino no século IV não tem fundamento histórico. A prática de adoração no domingo já era comum entre os cristãos muito antes de Constantino, como atestado por escritos dos pais da igreja como Inácio de Antioquia (c. 35-108), Justino Mártir (c. 100-165), e Tertuliano (c. 155-220) [3].

Implicações da Doutrina Sabatista

O ensino adventista de que a guarda do sábado é necessária para a salvação levanta sérias implicações teológicas. Primeiro, sugere que a obra de Cristo na cruz foi insuficiente para a justificação do pecador, necessitando ser complementada pela observância da lei.

O apóstolo Paulo adverte severamente contra tal ideia:

“De Cristo vos desligastes, vós que procurais ser justificados por lei; da graça decaístes” (Gálatas 5:4).

“De Cristo vos desligastes, vós que procurais ser justificados por lei; da graça decaístes” [4]. Buscar a justificação pela obediência à lei, seja o sábado ou qualquer outro mandamento, é negar a suficiência da graça de Cristo e cair dela.

Segundo, a doutrina sabatista coloca sobre os crentes um jugo de escravidão do qual Cristo nos libertou. Paulo exorta os cristãos a permanecerem firmes na liberdade que Cristo nos concedeu e a não se deixarem prender novamente a um jugo de escravidão (Gálatas 5:1). Esse “jugo de escravidão” é identificado como a circuncisão e a guarda da lei (Gálatas 5:2-3), e por extensão, inclui o sábado.

“Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não vos sujeiteis outra vez a jugo de escravidão” (Gálatas 5:1).

Por fim, a insistência na guarda do sábado como obrigatória para os cristãos gentios contradiz diretamente a decisão do Concílio de Jerusalém (Atos 15). Quando alguns judeus ensinavam que os gentios convertidos precisavam ser circuncidados e guardar a lei de Moisés para serem salvos (Atos 15:1,5), os apóstolos e anciãos se reuniram para discutir a questão.

Após muito debate, eles chegaram à conclusão, com a aprovação do Espírito Santo, de que não deveriam impor aos gentios convertidos nenhum fardo além de se absterem de certas práticas (Atos 15:28-29). A guarda do sábado não foi mencionada entre esses requisitos.

Se a observância do sábado fosse essencial para a salvação, certamente os apóstolos teriam incluído essa ordenança na carta enviada às igrejas. O fato de não o terem feito é uma forte evidência de que eles não consideravam o sábado como obrigatório para os cristãos.

Conclusão

A partir das evidências bíblicas apresentadas, conclui-se que a doutrina adventista da guarda do sábado como necessária para a salvação carece de fundamento sólido nas Escrituras. O sábado era um sinal da aliança específica entre Deus e Israel, não uma lei moral universal.

Com a vinda de Cristo e o estabelecimento da nova aliança, os cristãos não estão mais sob a obrigação de guardar o sábado como meio de justificação ou santificação. Insistir na observância do sábado é negar a suficiência da obra de Cristo, colocar-se sob um jugo de escravidão e contrariar o ensino apostólico.

A verdadeira liberdade e descanso são encontrados em Cristo, que nos convida:

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11:28-30).

O verdadeiro sábado é Jesus Cristo, nosso descanso e paz. Nele, não há condenação (Romanos 8:1), mas vida e liberdade (João 8:36).

Recursos Adicionais


Para mais informações sobre o tema, recomendamos os seguintes recursos:

1. “From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical, Historical and Theological Investigation” – D.A. Carson (ed.)
2. “The Sabbath in the New Testament” – Samuele Bacchiocchi
3. “The Lord’s Day” – Merril C. Tenney
4. “The Sabbath and the Lord’s Day” – H.M. Riggle
5. “Perspectives on the Sabbath: Four Views” – Christopher John Donato (ed.)

Referências:


[1] Êxodo 31:17
[2] Êxodo 31:14
[3] “From Sabbath to Lord’s Day: A Biblical, Historical and Theological Investigation” – D.A. Carson (ed.), pp. 251-298.
[4] Gálatas 5:4