A América Doente e Suja do Século XIX

Condições Sanitárias Precárias

No alvorecer do século XIX, os Estados Unidos da América enfrentavam uma crise de saúde pública sem precedentes. Apesar de sua aparente vitalidade, a jovem nação estava mergulhada em um estado deplorável de doença e falta de higiene. Como observa o historiador James C. Jackson, “Para toda a sua aparente vitalidade, a América no início do século XIX era uma nação doente e suja” [1].

As condições sanitárias eram extremamente precárias, tanto em espaços públicos quanto privados. A maioria das cidades carecia de sistemas adequados de esgoto e abastecimento de água, criando ambientes propícios para a proliferação de doenças. Nas palavras do reformador de saúde Sylvester Graham, “a saúde pública era grosseiramente inadequada” [2].

Um exemplo gritante da falta de saneamento básico era a cidade de Nova York. Em 1832, durante uma epidemia de cólera, o médico John Griscom realizou uma inspeção nas áreas mais pobres da cidade. Ele descreveu cenas chocantes de sujeira e miséria, com famílias inteiras amontoadas em porões úmidos e fétidos, sem ventilação ou acesso a água limpa [3]. Não é de surpreender que a doença tenha se alastrado rapidamente nessas condições.

Condições Sanitárias Nova York
Condições Sanitárias Nova York

Nas residências, a higiene pessoal era praticamente inexistente. Banhos eram raros, e a maioria dos americanos raramente ou nunca se lavava. Um viajante inglês ficou chocado ao visitar uma família de classe média em Massachusetts e descobrir que eles tomavam banho apenas uma vez por ano, na véspera de Natal [4].

Hábitos Alimentares Destrutivos

Os hábitos alimentares da população eram outro fator contribuinte para o estado mórbido da nação. O consumo excessivo de carne era a norma, com refeições contendo “quantidades gargantuescas de carne, suficientes para manter a maioria dos estômagos continuamente em tumulto” [5]. Legumes, verduras e frutas raramente apareciam à mesa, e os alimentos consumidos eram frequentemente saturados de manteiga e banha.

Um desjejum típico consistia em:

“Pão quente, feito com banha e álcalis fortes, e encharcado de manteiga; panquecas quentes cobertas de manteiga e xarope; carnes fritas ou assadas na gordura; batatas pingando gordura; presunto e ovos fritos em gordura até uma condição de indigestibilidade – tudo isso acompanhado de muitas xícaras de forte café brasileiro.” [6]

Esse tipo de dieta, rica em gordura animal e pobre em fibras e nutrientes, era um convite para uma série de problemas digestivos. A dispepsia, uma condição crônica caracterizada por indigestão, azia e desconforto abdominal, era tão comum que chegou a ser chamada de “a grande endemia dos estados do norte” [7].

Tratamentos Médicos Ineficazes e Perigosos

Quando inevitavelmente caíam enfermos, os americanos tinham pouco a que recorrer em termos de tratamento eficaz. As sangrias e purgações da medicina tradicional ou os medicamentos patenteados duvidosos vendidos livremente só agravavam o sofrimento. Ainda havia poucos remédios específicos conhecidos, e muitas das drogas comumente utilizadas faziam mais mal do que bem.

Condições Sanitárias Nova York
Condições Sanitárias Nova York

Como observou o eminente médico Dr. Oliver Wendell Holmes em 1860:

“Se toda a materia medica, tal como hoje é usada, pudesse ser afundada no fundo do mar, seria muito melhor para a humanidade – e muito pior para os peixes” [8].

Aqueles que buscavam o auxílio de um médico muitas vezes acabavam em situação pior do que antes. Os tratamentos populares da época incluíam sangrias, onde grandes quantidades de sangue eram retiradas na crença de que isso eliminaria a doença do corpo. Purgantes violentos como o calomel (cloreto de mercúrio) eram administrados até que o paciente começasse a salivar e defecar incontrolavelmente. Eméticos faziam o doente vomitar por horas a fio [9].

Não raro, os próprios médicos admitiam os danos que causavam. Em 1845, o proeminente cirurgião Walter Channing declarou:

“Estou farto de fazer mal quando meu único desejo é fazer o bem. Derramei mais drogas sobre os pacientes do que deveria… Eu ajudei a encher cemitérios da Nova Inglaterra (…)” [10]

O Surgimento da Literatura de Saúde Preventiva

Diante desse cenário sombrio, começou a surgir uma crescente literatura sobre medidas preventivas para preservar a vida e a saúde. Alguns dos primeiros escritos influentes vieram do exterior, especialmente da Escócia, como “The Natural Method of Cureing the Diseases of the Body” de George Cheyne (1742) e “The Constitution of Man” de George Combe (1828) [11][12].

"The Constitution of Man" de George Combe (1828)
“The Constitution of Man” de George Combe (1828)

Inspirados por essas obras, autores americanos logo se juntaram a seus colegas estrangeiros no clamor contra os abusos dietéticos e terapêuticos populares. Revistas sobre saúde começaram a ser publicadas em Boston e Filadélfia. Livros com títulos como “Dyspepsy Forestalled & Resisted” do Professor Edward Hitchcock de Amherst ganharam as prensas [13].

Atravessando todas essas publicações, havia um tema comum: a importância de uma dieta adequada (frequentemente sem carne), bastante luz solar e ar fresco, exercícios regulares, descanso suficiente, temperança, limpeza e vestimentas sensatas [14]. Esses primeiros esforços esporádicos para reeducar o público americano pavimentaram o caminho para um movimento mais amplo e organizado de reforma da saúde que ganharia força nas décadas seguintes sob a liderança de figuras como Sylvester Graham e William Alcott.

Conclusão

Diante da visão perturbadora de uma América afundada em doenças, sujeira e hábitos destrutivos, esses primeiros reformadores lançaram as bases para uma nova abordagem em relação à saúde e bem-estar. Seu foco na prevenção através de um estilo de vida natural e equilibrado contrastava nitidamente com as práticas médicas muitas vezes danosas de seu tempo.

Embora suas ideias pudessem parecer radicais para muitos de seus contemporâneos, eles lançaram as sementes de uma consciência de saúde que lentamente começou a transformar a sociedade americana. Como veremos, sua cruzada pela reforma da saúde enfrentaria muitos desafios e resistências ao longo do caminho. Mas seu legado duradouro foi elevar a saúde ao patamar de um objetivo digno e alcançável para todos, não apenas para uma minoria privilegiada.

Referências:


  • [1] Jackson, J.C. (1867). How to Treat the Sick Without Medicine. Dansville: Austin, Jackson & Co.
  • [2] Graham, S. (1839). Lectures on the Science of Human Life. Boston: Marsh, Capen, Lyon, and Webb.
  • [3] Griscom, J.H. (1845). The Sanitary Condition of the Laboring Population of New York. New York: Harper.
  • [4] Alcott, W.A. (1838). The Young Housekeeper. Boston: George W. Light.
  • [5] Alcott, W. A. (1837). The Young Man’s Guide. Boston: Lilly, Wait, Colman, & Holden.
  • [6] Shew, J. (1846). Hydropathy; or, The Water Cure. New York: Wiley and Putnam.
  • [7] Hitchcock, E. (1831). Dyspepsy Forestalled & Resisted. Amherst: J.S. & C. Adams.
  • [8] Holmes, O.W. (1860). Currents and Counter-currents in Medical Science. Boston: Ticknor and Fields.
  • [9] Whorton, J.C. (2002). Nature Cures: The History of Alternative Medicine in America. New York: Oxford University Press.
  • [10] Channing, W. (1845). Remarks on the Employment of Females in Midwifery. Boston Medical and Surgical Journal, 33(14), 281-287.
  • [11] Cheyne, G. (1742). The Natural Method of Cureing the Diseases of the Body. London: Strahan.
  • [12] Combe, G. (1828). The Constitution of Man. Edinburgh: John Anderson.
  • [13] Hitchcock, E. (1831). Dyspepsy Forestalled & Resisted. Amherst: J.S. & C. Adams.
  • [14] Alcott, W. A. (1837). The Young Man’s Guide. Boston: Lilly, Wait, Colman, & Holden.

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